MARIANA, MG (FOLHAPRESS) – Eram 17h de uma quinta-feira quando a reportagem visitou o reassentamento de Bento Rodrigues, a cerca de 24 km do centro de Mariana, na região central de Minas Gerais.
O local reúne parte dos atingidos que moravam no antigo subdistrito atingido há dez anos pela lama da barragem de Fundão, que pertencia à Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale e BHP. A tragédia que matou 19 pessoas é considerada como o maior desastre ambiental do país.
Durante cerca de uma hora no local, a reportagem avistou quatro pessoas transitando pelas ruas.
Para os moradores ouvidos, a situação não é incomum e representa uma nova realidade dos atingidos: a identificação e o senso de comunidade que existiam no “Bento de origem” não se repetem no reassentamento, uma espécie de subúrbio construído pela Fundação Renova.
A entidade, criada para gerir os recursos de reparação da tragédia, foi desmobilizada a partir do acordo de repactuação assinado no ano passado e suas obrigações passaram a ser da Samarco.
Manoel Marcos Muniz compara a situação do local com a das ruas do país nas primeiras semanas da pandemia de Covid-19.
“O pessoal fala que dificilmente você vê um morador transitando na rua. É cada um na sua casa, no seu canto. Faz muita falta na questão do convívio, de pessoas conversando, seja ali na praça, sentar, tomar uma cerveja, ver os meninos brincando”, afirma o atingido, conhecido como Marquinhos.
Apesar de a Samarco afirmar que todas as obras do reassentamento ficaram prontas no fim de julho, ele é um dos atingidos que ainda não tiveram a chave do imóvel entregue.
Procurada, a mineradora afirmou que seis imóveis adicionais foram definidos pelos moradores após a homologação da repactuação e a previsão é que essas casas sejam concluídas até o fim de 2026.
“389 obras estão finalizadas, incluindo 22 bens públicos, como escolas, postos de saúde, cemitérios, praças e sistemas de água e esgoto, além de moradias, comércios, sítios e bens privados, como associações e igrejas”, informou a mineradora, em nota.
Marquinhos atribui o distanciamento entre vizinhos ao período em que eles ficaram sem contato desde a tragédia de 2015 até a entregas das primeiras casas no “novo Bento”, em 2023, e ao fato de alguns terem escolhido receber a indenização em vez de uma nova casa.
Mas, acima de tudo, há a falta de identificação com o novo território, ele afirma em conversa com a reportagem nas ruínas de Bento de origem, a 9 km do reassentamento.
O atingido destaca que os habitantes daquele local moravam em casas construídas por antepassados e tinham a intenção de manter as raízes familiares no local, de características rurais.
“Nós já tínhamos escolhido, eu e a minha esposa, viver o resto da vida em Bento Rodrigues. É nossa origem, nessa terra onde o nosso umbigo está enterrado, é aqui onde crescemos jogando bola”, diz, antes de apontar para um local onde ficava a praça hoje irreconhecível diante do acúmulo de rejeitos no local.
No dia 5 de novembro de 2015, data do rompimento da barragem, Marquinhos estava aposentado há um ano e um dia de seu trabalho como operador de bombas na Samarco.
Hoje, ele afirma que seus momentos de maior conforto acontecem quando ele e um grupo de amigos, os chamados “Loucos por Bento”, se reúnem para as festas tradicionais comemoradas no antigo subdistrito. Entre elas, estão a festa do padroeiro São Bento, em julho, e da Nossa Senhora das Mercês, em setembro.
“A gente quer manter as tradições, a cultura do lugar. Bento Rodrigues não acabou. Precisamos manter as memórias e a tradição que um dia foram do meu pai, dos meus avós e das pessoas que viveram aqui com eles”.
Os reassentamentos dos subdistritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, na zona rural de Mariana, e em Gesteira, comunidade de Barra Longa que também foi inundada pela lama, foram parte das ações de ressarcimento aos atingidos feitas pela Renova.
A previsão era simular no novo local a localização das casas e vizinhança nos territórios antigos.
Em Paracatu de Baixo, onde o reassentamento fica a 5 km do subdistrito de origem e a 36 km do centro de Mariana, a insatisfação e o lamento com o novo território são semelhantes aos de Bento.
A atingida Luzia Queiroz, que já recebeu sua residência, afirma que o que foi entregue está distante daquilo que foi prometido aos atingidos.
“O reassentamento não tem nada parecido com o Paracatu de origem, porque a princípio as casas seriam geminadas, em uma rua comprida, uma igreja, uma praça em estrutura pequena, quase um arraial, mas não foi isso que vimos”, afirma.
Assim como Marquinhos, Luzia destaca as tradições antigas, mas teme pelo desaparecimento da cultura da comunidade de Paracatu de Baixo.
“Antes a gente tinha tudo, mesmo sem dinheiro. A cultura desse povo é linda e ela está se perdendo. É com muito custo, é muito doído a gente falar que está tentando resgatar e resistir, mas eu já vou adiantando que não vai voltar ao normal”.
A Samarco afirmou que a vida comunitária “tem se fortalecido de maneira constante” nos dois novos territórios, com calendário regular de festividades e tradições culturais.
“O cotidiano é movimentado pelos equipamentos públicos em funcionamento, como as escolas públicas, e pelos negócios dos próprios moradores. Há oferta de serviços, com 57 estabelecimentos comerciais em segmentos como alimentação, vestuário, agropecuária, comércio geral, saúde e beleza e serviços para pets, entre outros”.
Marquinhos e Luzia defendem a atração de turistas para os locais da tragédia para que as histórias e memórias dos subdistritos de Bento e Paracatu sejam conservadas. Para isso, reforçam a importância de um memorial em cada local, algo previsto pelo acordo de repactuação.
O documento determina que as desapropriações serão feitas com recursos da Samarco e a área será tombada. A perda do terreno desagradou aos moradores, que desejariam continuar com a posse dos antigos territórios.
Caberá ao município também fazer um memorial em cada um dos subdistritos.
De acordo com o prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), as homenagens serão feitas com a Unesco e em consulta com os atingidos. Os recursos, de R$ 27 milhões, já foram depositados pela Samarco nas contas da prefeitura.
“A prefeitura não tinha interesse nenhum de realizar [as desapropriações], porque eu tenho muitas outras demandas como poder público e acho muito injusto ter que desapropriar uma área que é dos atingidos, que eles têm um valor sentimental, foram criados, nascidos naquela região”, diz Duarte à reportagem.
O processo, previsto no acordo para ser iniciado no fim deste ano, ainda depende do encaminhamento da Samarco às autoridades da área exata, com georreferenciamento, a ser alvo das desapropriações.




