SÃO PAULO, SP, E BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O Uruguai sempre vai buscar que o tratado do Mercosul (Mercado Comum do Sul) se torne mais flexível e permita a negociação de acordos com países de fora do bloco, disse à reportagem o ministro da Economia e Finanças uruguaio, Gabriel Oddone, 62.
“A filosofia de todos os governantes uruguaios é: dentro de um acordo, mas buscando liberdade dentro dele”, diz. Essa postura, argumenta o ministro, não significa que o país irá procurar negociações bilaterais. “O objetivo é conseguir um bom acordo em bloco”, afirma.
O uruguaio relata descontentamento de seu país com a “impossibilidade de alcançar acordo com terceiros países relevantes, a agenda extrarregional, desrespeitos à tarifa externa comum, além de desentendimentos sobre o que são as tarifas bilaterais entre os países do bloco”.
Ainda assim, o ministro defende a permanência no Mercosul e diz que o atual governo de centro-esquerda, encabeçado por Yamandú Orsi, é mais cauteloso do que o anterior, de Luis Lacalle Pou, na relação com os vizinhos. “Nenhum governo uruguaio vai se mover fora do Mercosul.”
De acordo com Oddone, o Uruguai está em uma posição estratégica entre Brasil e Argentina, e há interesses de que o governo uruguaio não contrarie nenhum dos dois países. “Temos que ser cuidadosos pelo nosso tamanho.”
Ele avalia que o atual momento de instabilidade geopolítica, devido às tarifas comerciais de Donald Trump e à disputa comercial entre EUA e China, pode ajudar a consolidar o bloco comercial.
“A Europa está consciente de que precisa de novos aliados, novas relações, porque seu vínculo com os Estados Unidos está mudando”, afirmou. “Além disso, o Brasil começa a entender que, neste novo mundo, também tem que se abrir um pouco mais.”
Hoje, o principal parceiro comercial do Uruguai é a China, que responde por 40% das exportações. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos são o principal consumidor do setor de serviços uruguaio, e a União Europeia é o principal investidor estrangeiro.
“Por sua vez, Argentina e Brasil são países para os quais vendemos coisas que não vendemos a ninguém no mundo vendemos autopeças, produtos de laboratório, produtos de pintura, produtos químicos”, afirma Oddone. Esse elo comercial garante os empregos industriais no Uruguai, que, em média, remuneram melhor.
Oddone, que compõe o governo de centro-esquerda de Orsi, da Frente Ampla, diz que o Uruguai pode ser uma ponte entre as possíveis divergências entre o governo argentino de Javier Milei, à direita, e o brasileiro, de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores.
“Temos boa relação de afinidade ideológica com o governo brasileiro, mas ao mesmo tempo alguns de nós temos boas relações com a equipe econômica atual argentina”, afirmou. “Independentemente de qual é a origem de nossos partidos políticos, o diálogo hoje com as autoridades argentinas é muito bom, muito fluido, sem nenhum tipo de dificuldade.”
PAÍS QUER ALTERAR BENEFÍCIO FISCAL PARA ESTRANGEIRO
Outra prioridade da política econômica internacional uruguaia é uma reforma na lei de atração de estrangeiros ricos. Hoje, quem compra um imóvel de mais de US$ 500 mil no Uruguai ganha residência fiscal no país e, por dez anos, fica isento de pagar imposto de renda sobre valorização patrimonial de bens alocados fora do país (como imóveis, empresas e títulos financeiros).
O atual desenho da política de benefício fiscal para estrangeiros foi definido durante a gestão anterior, de Luis Lacalle Pou, um quadro da centro-direita, e fez triplicar a quantidade de ativos mantidos no exterior por uruguaios. A cifra saltou de US$ 20 bilhões em 2019 para US$ 60 bilhões em 2025.
Em vez de definir como condição a compra de um imóvel, o atual governo defende um investimento de US$ 100 mil ao ano em um fundo de capitalização voltado à ciência e à tecnologia durante 10 anos o montante final seria de US$ 1 milhão de investimento. “Se esse fundo der lucro, vamos repassar esse lucro”, diz o ministro.
Para Oddone, o Uruguai oferece um padrão de vida único na América Latina, com segurança, além de estabilidade política e jurídica, e, por isso, pode cobrar mais de quem quer viver lá. “Sabemos que o Uruguai não é a Toscana, e acho que não podemos cobrar tanto quanto a Toscana, mas, ao mesmo tempo, o Uruguai oferece condições ímpares na região, e eu tenho de cobrar algo por isso.”
O projeto também prevê formatos alternativos de tributação para quem já recebeu o benefício por dez anos, quando acabaria o prazo de vigência. Em vez de pagar a alíquota de 12% sobre a valorização dos bens no exterior, o estrangeiro poderá pagar uma taxa fixa de US$ 300 mil ao ano dessa forma, também não terá que declarar quais bens mantém no exterior.
Outra opção seria investir mais US$ 100 mil anuais por cinco anos e diminuir a alíquota de 12% para 6%.
O projeto já passou pela Câmara uruguaia, onde o governo é minoritário, e agora está no Senado, onde a Frente Ampla tem maioria.
De acordo com Oddone, o benefício fiscal para estrangeiros não é uma política impopular entre os uruguaios. “Eu creio que a população vê o valor na existência de um desenho fiscal que atraia investidores de fora.”
Ele reconhece, por outro lado, que os novos moradores ricos podem elevar o custo de vida e da habitação no Uruguai, o mais alto da América do Sul. “Mas desenvolvemos nos últimos 10 anos uma amplíssima capacidade de aumento da produção de imóveis, principalmente onde essas pessoas investem.”
Oddone também justifica os altos preços do país com a pequena população local, o que impossibilita o desenvolvimento de uma produção em grande escala. “Justamente porque somos um país pequeno, precisamos estar abertos ao mundo e receber investimentos de fora.”




