PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – O nome oficial da ideia, “Just Economics”, pode ser traduzido como “economia justa” ou “simples economia”. Mas bem que poderia ser “pix do clima”: transferências de dinheiro para a conta bancária dos cidadãos mais afetados pelas mudanças climáticas, para compensar seus efeitos e reduzir as emissões responsáveis pelo aquecimento global.
A economista francesa Esther Duflo apresentará essa solução original durante a COP30, em Belém. Foi elaborada em parceria com o economista indiano Abhijit Banerjee seu marido, que ganhou junto com ela o Nobel de Economia em 2019 e o economista americano Michael Greenstone, ex-conselheiro de Barack Obama.
Fazer o dinheiro chegar diretamente aos principais interessados, explica Duflo, resolveria um grande defeito dos atuais mecanismos de financiamento internacionais relacionados ao clima: a ineficiência. “Assim, poderíamos abandonar todas as outras promessas nunca cumpridas”, disse à Folha, por videoconferência.
“O que propomos é um esquema em que os países ricos se comprometam a arrecadar fundos e enviá-los diretamente às pessoas para ajudá-las a se proteger contra os excessos do clima, na forma de transferências financeiras”, detalha. “Nos países mais pobres e mais afetados, transferências incondicionais. Nos países menos afetados, uma transferência nos meses em que faz muito calor. Em troca, os países pobres se comprometeriam a seguir uma trajetória climática positiva.”
A proposta suscita perguntas inevitáveis. Se a transferência for incondicional, como garantir que o dinheiro servirá efetivamente contra as mudanças climáticas?
“As pesquisas mostram que quando se confia nas pessoas, elas sabem o que fazer”, argumenta Duflo. Poderão, exemplifica, usar o dinheiro para compensar as horas de trabalho perdidas devido ao calor. Ou equipar melhor suas casas contra eventos extremos, como furacões.
Além disso, os países que recebessem essas compensações teriam que se comprometer a adotar medidas como uma taxação das emissões de carbono.
De acordo com os cálculos feitos por Duflo e sua equipe do J-PAL, centro de pesquisas no MIT, se o “Just Economics” já existisse neste ano, seria necessário reunir US$ 725 bilhões (R$ 3,8 trilhões) para esse fundo.
Parece muito, mas é bem menos que o US$ 1,8 trilhão (R$ 9,5 trilhões) anual de prejuízos que, segundo ela, os países ricos impõem aos pobres com o aquecimento global. Por isso o título do estudo assinado por Banerjee, Duflo e Greenstone é “uma grande barganha para mitigação, adaptação e compensação climática”.
E quem administraria esse imenso fundo? “Seria preciso chegar a um acordo”, admite Duflo. “Mas a vantagem desse sistema é que a gestão é quase mecânica, ao contrário dos fundos atuais, como o Green Climate Fund e o Adaptation Fund, onde os desembolsos são extremamente lentos e não acontece nada”, acrescenta, citando dois dos fundos multilaterais mais conhecidos.
Segundo ela, os pagamentos seriam “previsíveis, automáticos, imediatos e regulares” (em inglês, as quatro palavras formam a sigla “Fair”, que significa “justo”).
“É uma COP decisiva. Se quisermos encontrar um sistema para fazer os países pobres entrarem na dança, sem se sentirem humilhados no processo, é agora. É por isso que comecei a pensar, discutir e divulgar essa proposta”, diz a Nobel francesa.
Duflo é conhecida pelas pesquisas e propostas sobre o tema da inclusão financeira. No ano passado, no Rio de Janeiro, a convite do ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, ela apresentou no encontro de ministros do G20 uma proposta de taxação dos bilionários.
O relatório do “Just Economics” foi elaborado para um conselho de notáveis, criado pelo presidente da COP30, o brasileiro André Corrêa do Lago, que propôs contribuições para a agenda de ações da cúpula deste mês em Belém.
Durante a COP, Duflo deve apresentar a ideia durante um debate na chamada “blue zone”, o espaço internacional da cúpula. “Just Economics” será o título de um livro a ser lançado nos EUA no ano que vem.
Coautor do estudo, Michael Greenstone disse à reportagem acreditar que todos saem ganhando com a proposta, países ricos e pobres. “Há um apelo à moralidade quando você causa dano ao vizinho, deve a ele alguma compensação. Mas a moralidade pode muitas vezes coincidir com o interesse próprio.”
O ex-conselheiro de Obama diz não temer que a ausência dos EUA na COP prejudique o avanço da proposta. “Nada impede que a União Europeia participe, assim como uma série de países de média e baixa renda.”
Greenstone também estará no Brasil nesta semana. Uma iniciativa liderada por ele, um mercado de emissões que reduziu drasticamente a poluição por partículas no estado indiano de Gujarat, concorre ao Earthshot Prize, prêmio ambiental cujo ganhador será anunciado na quarta-feira (5) no Rio de Janeiro pelo príncipe William, do Reino Unido.
A equipe de Duflo está arrecadando fundos para outra iniciativa no Brasil, um centro de pesquisas na amazônia para o estudo de políticas sociais. “A amazônia é um microcosmo de todos os temas relacionados ao clima: a proteção da floresta e dos mais pobres, a valorização dos recursos naturais para favorecer a mitigação”, explica a francesa.




