BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Há quatro anos, o descumprimento reiterado de compromissos ambientais tem impedido que a concessionária Aliança Geração de Energia, que hoje pertence à mineradora Vale e ao fundo americano de investimentos GIP (Global Infrastructure Partners), consiga renovar a licença de operação da usina Aimorés junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Em agosto deste ano, após sucessivos pedidos apresentados pela empresa, analistas do órgão federal apertaram o cerco e exigiram uma solução que dê fim ao dano ambiental causado pelo regimento da usina. A Folha teve acesso a esse relatório técnico.

No documento, os analistas dão prazo de 120 dias para que a empresa apresente um novo estudo sobre o volume de água que deverá ser liberado no trecho seco da cidade. A proposta deve considerar, ainda, o derramamento da água localizada na superfície do reservatório, e não de água profunda. Não se trata de um detalhe técnico. Foi apontado que a cidade vinha recebendo água de baixa qualidade da barragem, por ser liberada de pontos que concentram mais sedimentos e menos oxigênio.

Caso as exigências não sejam atendidas, os analistas dizem que vão rejeitar a renovação da licença da usina, além de enviar à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) uma recomendação para que a concessão seja cassada.

“Há trechos com água parada ou estagnada, onde formam-se inúmeras poças, alevinos são aprisionados e prevalece um ambiente insalubre, devido ao acúmulo de sólidos, lixo e esgoto, a proliferação de larvas, insetos e urubus; ambiente propício à transmissão de doenças”, afirma o relatório.

O Ibama diz ainda que “a não efetivação do espelho d’água na cidade ocasiona impactos socioambientais significativos à comunidade afetada (impacto visual, prejuízo às atividades de lazer e pesca), a deterioração da qualidade das águas e proliferação de vetores nas poças”.

Em sua conclusão, o documento afirma que “o meio ambiente continua, desde 2005, sofrendo os impactos ambientais decorrentes da não execução ou falta de efetividade das medidas mitigadoras inicialmente propostas pela empresa”.

Naquele ano, indígenas do povo krenak que vivem na região até hoje chegaram a interditar a Estrada de Ferro Vitória-Minas para reivindicar compensações e indenizações relativas a desocupações provocadas pela instalação da hidrelétrica.

Até setembro do ano passado, a concessionária Aliança Energia pertencia à Vale e à Cemig, quando esta vendeu a fatia de 45% que detinha no negócio para a mineradora, por R$ 2,74 bilhões. No anúncio de venda, declarou que “foi negociada na modalidade de ‘porteira fechada’, exonerando a Cemig GT de qualquer eventual indenização relativa à Aliança”.

Em setembro deste ano, foi a vez de a Vale vender 70% da concessionária para o grupo americano GIP (Global Infrastructure Partners), por US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bilhões), mantendo 30% das operações sob seu comando.

Nos últimos anos, a usina de Aimorés foi alvo de multas milionárias do Ibama. Apesar de todo o histórico de autuações e do caos flagrante que ainda se observa na orla de Aimorés, a empresa nega as acusações.

À Folha de S.Paulo a usina declarou que “cumpre rigorosamente todas as obrigações estabelecidas no licenciamento ambiental do empreendimento, apresentando periodicamente ao Ibama todas as ações relacionadas à execução dos programas ambientais e condicionantes, que comprovam as ações realizadas”.

Questionada sobre a razão técnica que levou ao desvio da água do rio Doce, em vez de mantê-lo em seu leito natural, a empresa declarou que a escolha “decorre do arranjo técnico e construtivo da usina, aprovado pelo órgão ambiental”.

A despeito de todos os apontamentos do Ibama, a empresa também nega problemas com a qualidade da água que entrega à população e atribui responsabilidade à prefeitura. “Análises técnicas indicam que a operação da usina não tem contribuído para a degradação da qualidade da água no trecho de vazão reduzida, a qual sofre influência de fatores externos como variações climáticas e lançamento de esgoto sanitário do município sem tratamento”, afirmou.

Questionada sobre o fato de não ter cumprido a promessa de manter um espelho d’água no trecho, a empresa declarou que “este foi avaliado e considerado inviável devido a restrições técnicas e de segurança para a população”. Essa conclusão, porém, como admite a própria companhia, só chegou seis anos após o início das operações da usina, quando a hidrelétrica já era um fato consumado.

“Essa decisão foi debatida de maneira aprofundada com o Ibama e comunicada à população em reunião pública, realizada em 05/11/2012”, afirmou a empresa.

Sobre o esgoto de Aimorés, a companhia declarou que houve tratativas com a prefeitura entre 2023 e 2024, com proposta de repasse financeiro para execução das obras, mas que, em 2025, “houve mudança no posicionamento do município, e novas tratativas estão em andamento, sendo que a usina de Aimorés aguarda definição da gestão do município para que um acordo seja firmado”.

A reportagem procurou o prefeito de Aimorés, Adriano Garcia (PL), que está em seu primeiro ano de mandato. Foram feitos contatos por email e telefone, mas não houve retorno.

A presidência do Ibama, em resposta encaminhada à Folha, declarou que seus relatórios “indicam o descumprimento reiterado de condicionantes da Licença de Operação por parte da empresa responsável” e confirmou ter dado 120 dias para a empresa apresentar medidas efetivas. O prazo para as resposta se encerra neste mês.

Segundo o órgão ambiental, foram aplicadas duas multas contra a empresa, diante das irregularidades constatadas por operar em desacordo com o que prevê a licença. “O instituto também estabeleceu multa diária no valor de R$ 10 mil até a comprovação do cumprimento das medidas exigidas”, afirmou.

“O Ibama segue atuando rigorosamente na esfera administrativa e avalia, caso não haja atendimento das obrigações dentro do prazo estabelecido, a possibilidade de recomendar a caducidade da licença de operação da usina hidrelétrica Aimorés”.

A Aneel e o Ministério de Minas e Energia não se manifestaram sobre o assunto.