SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Diferentes setores do audiovisual brasileiro emitiram manifestos contrários ao trabalho de Doutor Luizinho (PP-RJ) no PL do streaming. Um ato contra a relatoria está marcado para acontecer no fim da tarde desta segunda (3) na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, mas também no Rio de Janeiro e em Salvador.
Kleber Mendonça Filho, Gabriel Mascaro, Anna Muylaert, Marieta Severo, Jorge Furtado, Joel Zito Araújo, Lúcia Murat e pelo menos mil pessoas do setor audiovisual assinaram uma carta de desagravo ao relatório de Luizinho sobre o projeto de regulamentação e taxação do streaming no Brasil.
Segundo a carta, o audiovisual brasileiro vive um momento de “enorme apreensão” após a divulgação do relatório do deputado.
O texto da lei apresenta uma série de equívocos técnicos e conceituais, dizem. Se aprovado, o PL pode trazer “graves consequências” para o futuro do cinema nacional. Segundo eles, a opinião do setor audiovisual independente brasileiro não foi levada em consideração.
“Se o projeto de lei for aprovado em seus moldes atuais, o presidente Donald Trump não precisará gastar energia para proteger os interesses das suas big techs, porque nosso Congresso já estará cumprindo vergonhosamente com essa missão”, afirma a carta.
“Deve-se lembrar ao presidente Lula: a cultura o apoiou na eleição acreditando em uma política audiovisual séria e efetiva. Hoje, três anos após sua eleição, nosso setor passa por dificuldades”, segue o documento. “Esperamos que o governo Lula e o congresso nacional possam garantir mais do que festejar o cinema nacional em tapetes vermelhos mundo afora privilegiando a construção de uma indústria audiovisual verdadeiramente brasileira e soberana com visão estratégica de Estado.”
À reportagem, o deputado afirma que “sempre faloi que dificilmente um relatório agradaria a todos”.
“Vamos votar o PL e todos poderiam continuar a discutir no Senado”, diz. “Além disso, poderá ser discutido e emendado em plenário.”
“Parece que só eu quero andar com esse assunto”, afirma Luizinho.
O deputado apresentou na última segunda (27) o relatório do projeto de regulamentação do streaming, ou VoD -sigla para vídeo sob demanda. A grita foi tamanha que, só nesta sexta (31), o parlamentar apresentou duas novas versões do texto.
São diferentes frentes nesse campo de batalha -a Agência Nacional do Cinema, Ancine, produtores independentes, plataformas abertas, como o YouTube, e fechadas, como a Netflix. Todos têm suas críticas.
Outra entidade que se manifestou publicamente nesta segunda foi a Strima, associação que reúne empresas como Netflix, Globoplay, HBO e Apple TV+, também soltou manifesto contrário ao relatório.
Para eles, Luizinho ignorou as contribuições técnicas que foram apresentadas pela entidade que representa os grandes serviços de streaming.
Segundo a Strima, questões de grande relevância, e apontadas justamente pelo segmento que será diretamente regulamentado por essa legislação, não foram contempladas nos pareceres apresentados ao longo da última semana.
“As propostas de substitutivo desconsideram anos de diálogo institucional, estudos oficiais e a experiência acumulada por quem conhece e promove o desenvolvimento e a divulgação do audiovisual no Brasil”, afirma, em nota, o diretor executivo da entidade, Luizio Felipe Rocha, que assina a carta.
Leia o texto completo da Strima no seguinte link: https://www.strima.org.br/m%C3%ADdia/projeto-de-lei-n%C2%BA-8-889-de-2017-(regulamenta%C3%A7%C3%A3o-do-streaming).
A Fica, Federação da Indústria e Comércio do Audiovisual, que reúne empresas nacionais de grande porte como Paris Filmes, Cinesystem e Gullane, também publicou um manifesto contrário ao relatório de Luizinho.
“Da forma como está redigido, o texto não atende aos interesses do país, pois não protege nem estimula a indústria nacional do audiovisual”, afirma a nota. Segundo a entidade, o texto beneficia exclusivamente as big techs, que são “empresas que não demonstram compromisso com o desenvolvimento nacional, tampouco com o fortalecimento de nossa indústria”, segundo a Fica.
“Assim, conclamamos o Parlamento a revisar o PL 8.889/2017, garantindo que ele seja um instrumento de fortalecimento da indústria audiovisual nacional, e não de fragilização”, concluem.
A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura, a Abta, também emitiu nota manifestando preocupação com o novo parecer do projeto de lei. “O novo texto penaliza a produção nacional, reduz a diversidade de conteúdos e compromete o equilíbrio competitivo do ecossistema audiovisual no país”, afirma a associação, em nota.
Segundo a entidade, o novo parecer inclui obrigações descabidas ao setor de TV por assinatura e streaming, “criando assimetrias regulatórias e vantagens competitivas artificiais que claramente favorecem apenas as grandes plataformas globais de tecnologia, as chamada big techs”.
A associação pleitea que a regulação do streaming não seja aplicada a canais de TV por assinatura que sejam também distribuídos também por streaming, sob a justificativa de que a TV por assinatura já é tributada por outras modalidades da Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional.
O QUE ESTÁ EM JOGO
A lei define a Condecine-streaming, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, a ser cobrada de plataformas como Netflix, Prime Video, Globoplay, YouTube, Instagram e TikTok.
Os recursos arrecadados vão para o Fundo Setorial do Audiovisual, o FSA, gerido pela Ancine, que é de onde saem editais e outros programas de fomento ao audiovisual brasileiro. Porém, a maior parte do dinheiro devido poderá ser gasto diretamente pelas plataformas.
O principal ponto em jogo é a alíquota de taxação às plataformas. O relatório de Luizinho pôs a alíquota em 4%, calculada em cima do faturamento anual após tributos indiretos. Para plataformas como YouTube, Instagram e TikTok, a alíquota é de 2%.
O Ministério da Cultura defende que seja 6%. A associação das grandes empresas de streaming, a Strima, defendia 3%, calculados após os descontos das obrigações tributárias. Empresas de tecnologia como YouTube defendem que não haja cobrança nenhuma para eles. Já o movimento VOD12, formado por produtores independentes, sindicatos e associações, advogava por 12%.
O segundo ponto em tensão é sobre quem decidirá para onde o dinheiro vai. A maior parte da Condecine-streaming poderá ser deduzida na forma de investimento direto pelas plataformas licenciando produções que elas próprias escolherem, desde que brasileiras. Ou ainda remunerando influencers, no caso de redes como YouTube e TikTok -a disputa é sobre qual porcentagem poderá ser gasta desta forma, diretamente pelas plataformas de streaming.
Há ainda discussões sobre cotas mínimas para obras nacionais e sobre vantagens e garantias para serviços que tenham mais conteúdo brasileiro em catálogo.




