SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Bolsa de Valores brasileira tem ido de vento em popa nos últimos meses. Em alta de mais de 20% desde o início do ano, o índice de referência do mercado acionário do país, o Ibovespa, chegou à marca inédita de 150 mil pontos nesta segunda-feira (3).
A bonança parecia improvável no apagar das luzes de 2024, quando o índice tombou 9,35%, para 118 mil pontos, chamuscado pela crise fiscal e pela percepção de que, em se tratando de ativos do Brasil, o risco não compensava o retorno. O dólar, epítome do mal-estar, foi alçado à máxima de R$ 6,20.
O cenário mudou com a chegada de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos. A cruzada tarifária do republicano deixou investidores ressabiados com a estabilidade da economia norte-americana, considerada um “porto-seguro”. A estratégia adotada foi a diversificação para outros ativos, como o ouro, e países emergentes se beneficiaram do movimento.
Além do Ibovespa, índices de outras economias em desenvolvimento registraram ganhos expressivos em 2025. O S&P/BMV IPC, do México, acumula ganhos de 25%; o CSI 1000 e o Shanghai Composite, da China, 30% e 22%, respectivamente. O MSCI COLCAP, da Colômbia, e o chileno S&P CLX IPSA arrancaram 42% cada.
“O movimento de diversificação geográfica dos investidores estrangeiros colocou uma enxurrada de liquidez em praças emergentes”, afirma Matheus Amaral, especialista em renda variável do Inter. Como não são índices tão consolidados quanto os de Wall Street ou os da Europa, quaisquer injeções de recursos um pouco mais volumosas do que o normal costumam fazer diferença.
A desconfiança do mercado em relação à política econômica de Trump resultou, também, num enfraquecimento do dólar globalmente -o que, somado a juros reais mais altos, têm feito “os mercados emergentes viverem seu melhor momento em mais de uma década”, diz Leonardo Terroso, analista de investimentos da AMW, gestora vinculada à Warren Investimentos.
Os impulsos externos não param por aí. Está em curso, também, uma crescente desconfiança entre os operadores de que o mercado norte-americano está valendo mais do que deveria por conta do boom de inteligência artificial. A possibilidade de uma bolha estourar por lá tem levado a estratégias de proteção e diversificação, explica Amaral.
Além disso, o início do ciclo de cortes de juros pelo Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) tem pulverizado investimentos alocados na renda fixa dos Estados Unidos para outros mercados.
O Brasil capturou parte dessa migração de recursos, mas especialistas apontam que o mercado doméstico também tem méritos que se somam ao movimento internacional.
Terroso cita a reunião entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último mês, na Malásia. Os dois líderes concordaram em chegar a um acordo sobre as tarifas de 50% para produtos brasileiros e, ainda que não haja nada de concreto por ora, a perspectiva é positiva. “Reforçou a confiança na política e na negociação, impulsionou o real e consolidou otimismo no mercado”, afirma.
As projeções sobre a taxa Selic no próximo ano também dão força às cotações. O mercado projeta que a taxa básica de juros do país -hoje em 15%, um patamar que torna a renda fixa muito mais atrativa que a variável- irá começar a cair no início do ano que vem, conforme as expectativas sobre a inflação estão convergindo gradualmente ao teto da meta do BC (Banco Central), de 3% ao ano em 2025 com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
No último Boletim Focus, economistas ouvidos pelo BC passaram a ver o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o indicador oficial da inflação do país) em 4,56% ao fim de 2025, 0,06 ponto porcentual acima da banda máxima da meta. Para 2026, projetam a Selic em torno de 12,25%.
A perspectiva torna a renda variável, capitaneada pelo mercado de ações, mais atrativa para o investidor local, “hoje muito vendedor de Bolsa”, diz Felipe Miranda, CEO da Empiricus. “Com o juro alto, o investidor local pessoa física e institucional está mais interessado em CDI, CRIs, CRAs, LCIs, LCAs, debêntures incentivadas, FIDCs.”
Por aqui, há ainda a percepção de que a Bolsa está “barata”, ou seja, que os preços dos ativos não refletem o real valor, mesmo a 150 mil pontos. “Significa preço em torno de 8,5 vezes o lucro esperado para o ano”, diz Amaral.
Traduzindo em miúdos, a conta soma o valor de mercado de todas as empresas listadas no Ibovespa e divide o resultado pelo lucro esperado de todas essas mesmas empresas para 2025. O resultado é o que diz se a Bolsa está “barata” ou “cara”. O dado de 8,5 vezes preço/lucro está abaixo da média histórica, de 11 vezes, e até do que a XP Investimentos considera como valor justo, de 10 vezes preço/lucro. Para se ter ideia, o S&P500, índice de referência dos Estados Unidos, está rodando a 23 vezes preço/lucro.
A XP afirma que, para 2026, o justo seria um Ibovespa em 170 mil pontos. O que ameaça esse cenário são riscos específicos do Brasil -no caso, o mesmo motivo que despertou temores no final do ano passado: o equilíbrio das contas públicas.
“Existe um grande fantasma aqui: o medo de uma crise fiscal em 2027. A foto hoje não é ruim. O Brasil está crescendo, o desemprego é baixo, a inflação é razoável. Mas o filme é ruim. O investidor prevê que o Brasil vai dar de cara com a parede com esse modelo de crescimento que troca dívida por PIB”, diz Miranda, da Empiricus.
“Guardadas as devidas proporções, estamos vivendo 2013 e 2014 contratando a crise de 2015 e 2016.”
A previsão de Miranda, e de boa parte do mercado, é que o Ibovespa siga subindo até o primeiro trimestre do ano que vem. Depois disso, as eleições vão entrar na conta -e bastante. É o dito “risco Brasil”, que mede a confiança do mercado internacional na capacidade do país de equilibrar as contas.
Há três caminhos em vista, dois pró-mercado e um que desagrada aos operadores.
O primeiro seria a eleição de um governo centro-direita, reformista e fiscalista, que levaria a Bolsa a estender a bonança, segundo o analista.
O segundo, a reeleição de Lula, mas “um Lula à la Simone Tebet [atual ministra do Planejamento e Orçamento], com janelas para fazer um ajuste fiscal após 2026”, diz Miranda. O terceiro, a reeleição do atual modelo de política econômica, visto como expansionista pela Faria Lima e que, para ela, levará o país à crise.
“Se Lula sinalizar na campanha ou após uma eventual reeleição de que vai fazer algum ajuste fiscal, a Bolsa vai subir também. Quando o mercado fala em postura fiscalista, não é personalista. Vale lembrar que a Bolsa subiu para caramba no Lula 1, entre 2003 e 2007, até a crise de 2008. A gente precisa ver qual Lula vai ser: se é o Lula-Dilma ou o Lula 1. Ou a via Tarcísio-Ratinho.”




