SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais de 4 em cada 10 professores relatam já ter presenciado outros colegas professores fazendo comentários machistas e constrangedores sobre o corpo e aparência física de alunas.
Os dados são de uma pesquisa encomendada pela Serenas, ONG que atua contra a violência de gênero no Brasil. Foram entrevistados 1.383 professores de todas as regiões do país, que trabalham em escolas públicas e particulares e atuam da educação infantil ao ensino médio. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.
Para os pesquisadores, os resultados indicam que a escola, que deveria ser um espaço de acolhimento e segurança, muitas vezes reproduz as mesmas violências e desigualdades que ocorrem fora dela. Na grande maioria das vezes, são as meninas as principais vítimas desse tipo de situação no ambiente escolar.
A pesquisa identificou que 68% dos professores relataram já ter ouvido alunos ou outros professores fazendo comentários constrangedores sobre o corpo ou aparência das alunas, sendo que 45% apontou que esse tipo de comentário foi feito pelos próprios professores.
Eles citam ter ouvido, por exemplo, que as meninas já teriam corpo de uma mulher adulta e comentários sobre o peso ou as roupas que usam. Os dados indicam que 2% teriam ouvido esses comentários diariamente e 3% toda semana.
Além disso, 70% dos professores também relataram já ter presenciado estudantes do sexo masculino sexualizando meninas por conta da roupa que usam ou do comportamento delas.
A pesquisa ainda identificou que casos de assédio sexual cometidos por professores contra alunas não apenas ocorrem dentro do ambiente escolar como ainda são reconhecidos pelos demais professores. Esses casos foram relatados por 15% dos docentes entrevistados. Entre as situações de assédio estão cantadas, olhares invasivos e propostas inapropriadas feitas às alunas.
Para os responsáveis pela pesquisa, apesar de vivenciarem com frequência esse tipo de situação, muitos dos professores não as reconhecem como violência de gênero.
Na entrevista, os docentes foram questionados sobre o que entendem como discriminação ou assédio. Os dados mostram que 15% disseram que não consideram como violência de gênero fazer comentários ou piadas de conotação sexual sobre alguma aluna.
Além disso, 16% disse não ver como assédio ou discriminação compartilhar e divulgar imagens ou vídeos de conteúdo íntimo de alguma menina. E 23% também disseram não identificar como discriminação dizer que é inadequado meninas usarem shorts na escola.
Os dados mostram ainda diferenças de percepção entre professores homens e mulheres. Enquanto, 69% das docentes enxergam que comentários ou piadas de conotação sexual com alunas são situações de violência e disciminação, esse índice cai para 60% entre os profissionais do sexo masculino.
“Os professores reproduzem aquilo que temos na nossa sociedade, assim, não identificam determinadas regras e comentários como machistas, porque foram criados a partir de valores e crenças machistas e sexistas. Portanto, eles devem ter a oportunidade, e nós enquanto a sociedade temos a responsabilidade de educar os professores para que não reproduzam esses valores frente às novas gerações”, diz Amanda Sadalla, diretora executiva da Serenas.
Para Débora Lira, especialista em políticas públicas e gênero na Serenas, falar sobre violência e discriminação de gênero ainda é um tabu dentro das escolas, ainda que essas situações sejam frequentes.
“Há receio em tratar sobre o tema, ainda que os professores identifiquem que as relações escolares são permeadas por esse tipo de violência e discriminação. O medo de falar sobre isso contribui para a desinformação e a dificuldade de identificar, e consequentemente, impedir que essa violência continue acontecendo.”
A especialista destaca que, mesmo identificando de forma generalizada os casos de assédio e discriminação contra meninas, os professores muitas vezes naturalizam essas situações. “Por ser pouco discutido e ser tratado como natural, os professores podem encarar como brincadeira falar sobre o corpo ou as roupas das meninas.”
Os dados mostram ainda que quase a totalidade dos professores (99%) afirmam acreditar que a escola deve prevenir a violência de gênero de alguma forma, mas a maioria deles se sente despreparado e desincentivado a tratar desse assunto com os alunos.
Apenas 19% dos entrevistados disse se sentir muito ou totalmente preparado para lidar com casos de violência e discriminação desse tipo.
“Em geral, as famílias rejeitam iniciativas pedagógicas sobre o tema, como orientação sexual, diversidade de gênero e educação sexual. Essas objeções estão frequentemente ligadas a convicções religiosas, valores morais, reprodução de padrões machistas e entendimento de que determinados assuntos não devem ser tratados na escola, mas apenas pela família”, explica Débora Lira.
Para ela, no entanto, a ausência desse tema nas escolas deixa as crianças e adolescentes mais vulneráveis a esse tipo de violência.
“Os resultados da pesquisa mostram que a sexualização e violência já acontecem e não falar sobre isso é impedir que os alunos tenham condição de identificar essas situações e denunciar. Impedir essa temática na escola é impedir que seja ensinado aos alunos o que é certo e errado e que aprendam novas formas saudáveis de se relacionar.”




