SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Juliana dos Santos atravessa um grande tapete tingido de azul. Para andar sobre ele, é necessário tirar os sapatos. Obtidas a partir da flor Clitoria Ternatea, manchas coloridas inscrevem linhas, círculos e uma série de formas abstratas. Não há padrões no modo como elas se dispersam pela superfície. Distante de um domínio sobre esses pigmentos, a artista se coloca como uma eterna aprendiz da espécie vegetal.

Constante em sua vida como objeto de estudo, restos da flor tomam uma sala da Pina Contemporânea com “Temporã”. A mostra explora potenciais artísticos da Clitoria e reúne painéis e esculturas ao redor da passarela que recebe o público. O corredor, aliás, foi feito a várias mãos, com a ajuda de visitantes e funcionários da instituição. Foram dez quilos de pétalas, convertidas em pó, sopradas sobre vinte metros de algodão.

“A cor surge em meus estudos como modo de rever a percepção do espaço. Gosto de invocar as pessoas para um estado de observação, tanto de nós próprios quanto do nosso entorno. Minha primeira formação foi como arte-educadora. Mais do que o trabalho em si, me fascinava como uma obra pode nos conectar com uma memória e partilhar o sensível”, afirma Santos, ao caminhar pela instalação.

Sobre o fundo da sala, três pinturas em alturas diferentes estabelecem um envoltório. A cromática dos painéis é variada. Embaixo, uma faixa com tom avermelhado lembra o pôr do sol. Quase no teto, outro traz traços desbotados, próximos ao cinza. O painel restante é definido por uma mistura de pigmentos azuis e amarelos. São fases da cor típica da Clitoria, que se transforma conforme os dias passam. Ao criar um horizonte que guia o olhar do visitante, a artista junta tempos distintos. Nada ali é permanente.

Ela diz que o azul é a mais imaterial das cores. “Quando você anda numa horta, você não pega um vegetal azul e come. Ao longo da história da humanidade, sempre foi uma cor associada à metáfora, vinculada a uma ideia de transcendência. De forma prática, ela ajuda a pensar o céu e a dar perspectiva. Numa pintura, tudo que está distante se torna azulado. Entendi que o azul traz consigo um exercício de imaginação.”

O ciclo de vida da flor define “Temporã” e é dele que vem o nome da mostra. Escrito pela curadora Lorraine Mendes, o texto crítico situa a palavra-chave enquanto elemento precoce, fenômeno ou espécie que nasce antes da hora. É um lembrete de que as plantas também estão vivas, anteriores à existência humana.

Estirada sobre uma parede, uma tela de algodão reúne pigmentos esvoaçados e pétalas ressecadas. O passado e o futuro da Clitoria estão num mesmo suporte. Próximo à peça, uma fila de obras sobrepõe pedaços de tecido. Um deles, à frente, é pintado a partir da planta. Atrás, nos outros predominam aquarelas de diversos tipos. Cada uma provém de um mineral, como a quionita e a ametista. A matéria orgânica encontra a que já incorporou outro estado.

“Busco desenvolver um tempo que nos permita entender a durabilidade das coisas. É algo cada vez mais difícil para a nossa sociedade, que está querendo se eternizar”, afirma Santos. Seu método se afasta da pintura tradicional. No lugar das pinceladas, a artista usa o vento e a água, que espalha pelas superfícies com que trabalha.

Em uma das laterais do salão, quatro obras apresentam contornos abstratos e cores variadas. Elas vêm da experimentação de Santos e de sua curiosidade em explorar a formação de corpos. Sobre pedaços de papel, uma vez que o contato entre a aquarela e a água acontece, ela chacoalha o material e observa os limites de dispersão. É a simbiose entre o homem e a natureza que determina a forma e dá à luz suas obras.

“As cores industriais são muito gritantes, enquanto as vegetais são mais vibráteis. No contato com o ar e a luz, a Clitoria assume uma lógica de desvanecimento. Esse é o maior desafio que enfrento com galerias -‘ninguém vai querer comprar um trabalho que desaparece”, afirma a artista. “Não quero me adaptar a uma lógica de mercado. Me vejo mais como uma artista pesquisadora.”

Como mulher negra, ela diz estar cansada da percepção geral que se criou do artista negro. “Como posso falar sobre flores num Brasil que sempre nos pauta para dar conta de uma ideia fixa voltada à política e movimentos sociais? Nossos desejos não podem ficar reféns desses espaços condicionados a determinados grupos. Eu sinto que a luta não se representa. Ela só pode ser vivida.”

TEMPORÃ

Quando Até 8 de fevereiro de 2026. Qua. a seg., das 10h às 18h

Onde Pina Contemporânea – av. Tiradentes, 273, São Paulo

Preço R$ 30; grátis aos sábados

Autoria Juliana dos Santos

Link https://pinacoteca.org.br/programacao/exposicoes/juliana-dos-santos/