SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não tardou para que a Operação Contenção, a mais letal da história do Brasil, fosse vista como um fato político. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL-RJ), logo se postou diante das câmeras para comemorar o suposto sucesso da incursão policial nos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte da capital fluminense, que redundou em 121 mortos e 113 presos.

De pronto, líderes de direita reagiram ao episódio ocorrido na terça-feira (28). Um grupo de governadores se reuniu duas vezes com Castro. Juntos, eles anunciaram o chamado Consórcio da Paz para combater o crime organizado. A menos de um ano para as eleições, a Operação Contenção pode atrair, segundo especialistas em segurança pública, votos ao campo conservador.

Trata-se, em suma, de um reposicionamento da direita, depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado por tentativa de golpe de Estado. Apesar da adesão popular, o caso reaviva o imaginário do Rio de Janeiro como um balneário sangrento.

“Matança tem elevada rentabilidade eleitoral. Por que aqueles expostos à morte votam no matador? Quanto maior o medo, maior o desejo por uma solução imediata”, diz Jacqueline Muniz, professora de segurança pública da UFF (Universidade Federal Fluminense).

“Há três décadas a cidade usa a guerra contra o crime para ganhar a eleição. Foi marketing político, uma cloroquina para a segurança e deve, sim, fortalecer o bolsonarismo para o próximo ano.”

A operação, contra integrantes do Comando Vermelho, terminou com quatro policiais mortos e não prendeu Edgar Alves de Andrade, o Doca, chefe da facção criminosa.

Para Muniz, a emboscada foi ineficaz e tampouco seguiu as normas da doutrina policial. Mas a história é pródiga em mostrar a correspondência entre discurso belicoso e bom rendimento eleitoral, uma estratégia política quase sempre resumida em frases de efeito.

Nos anos 1990, José Guilherme Godinho, o Sivuca, foi eleito deputado estadual pelo Rio de Janeiro sob o lema “bandido bom é bandido morto”. Três décadas antes, ele havia sido um dos integrantes da Scuderie Le Cocq, grupo de extermínio que deu origem às milícias.

Em 2018, Wilson Witzel, então no PSC, venceu o pleito para o Governo do Rio tendo a segurança pública como prioridade. Ele resumiu seu projeto de enfrentamento ao crime dizendo que as polícias deveriam “mirar na cabecinha e… fogo”. No mesmo ano, Bolsonaro fez sua campanha à Presidência calcada no discurso militarista e passou a utilizar o bordão “CPF cancelado”.

A postura, portanto, não agrada somente o eleitor fluminense. Em São Paulo, Coronel Ubiratan, que conduziu o Massacre do Carandiru, em 1992, tornou-se deputado estadual, tendo como número nas urnas o número de mortos na chacina: 111.

Frederico Castelo Branco, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que a Operação Contenção encontra eco no punitivismo da sociedade. Não por acaso, uma pesquisa do Datafolha apontou que 57% dos moradores do Rio aprovaram a ação.

“É uma oportunidade para o campo bolsonarista se rearticular, retomando a relevância no debate político, com Bolsonaro condenado e Lula em um momento positivo”, diz. Em 2026, Castro é cotado para o Senado, e outros governadores de direita podem ser candidatos à Presidência da República.

Coordenadora do Geni (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos), da UFF, Carolina Grillo concorda com a avaliação sobre a rearticulação da direita, agora não mais ao redor da figura do ex-presidente, e critica também a postura do governo. “Foi um posicionamento tímido, sem condenar o ocorrido”, afirma. “Lula foi muito cauteloso ao se manifestar sobre a ação.”

No contexto da união dos governadores de direita, surgiu o Consórcio da Paz, desde o início, um contraponto ao petista. O Planalto reagiu, divulgando um vídeo para ressaltar a importância do combate ao crime organizado com inteligência. No ano passado, a segurança foi tida como prioridade dos eleitores de Rio e São Paulo, mostrou o Datafolha.

Autor do livro “Sobreviver Na Adversidade: Mercado e Formas de Vida”, o cientista social Daniel Hirata diz que o tema deve permanecer em alta na próxima eleição, tanto mais depois do episódio no Rio. Ele diz que o controle de territórios deve merecer a reflexão dos candidatos, até porque a PEC da Segurança, proposta pelo governo, não tem como oferecer respostas práticas para o problema.

Resta saber, afinal, quais são as raízes da adesão popular a operações letais, além do sentimento de desamparo. “A violência institucional sempre foi mobilizada para ter retornos políticos. As classes médias apoiam a brutalidade porque há racismo e classismo”, diz Hirata. Outros fatores citados por especialistas são os ecos da escravidão e da ditadura.

Imaginário do Rio de Janeiro

Se a violência dá retorno às figuras políticas, os prejuízos são palpáveis para as cidades. Mais do que ter gerado danos ao turismo e à economia, a megaoperação teve desdobramentos no imaginário sobre a antiga capital do país. As imagens dos corpos na Praça São Lucas, na Penha, ressuscitaram a lembrança da cidade refém do crime, percepção majoritária nos anos 1990.

Segundo Antonio Herculano Lopes, que pesquisa cultura carioca na Fundação Casa de Rui Barbosa, a imagem da cidade passa por crises cíclicas. O que se mantém, porém, é a brutalidade, que, segundo Lopes, regula as relações de alguns segmentos sociais. Em sua visão, há duas maneiras de se lidar com a violência: pela sublimação ou pelo justiçamento.

O primeiro caso refere-se à criação de representações simbólicas sobre o tema, o que explica a incorporação da violência na paisagem cultural da cidade. É um mecanismo de defesa para lidar com a internalização da brutalidade, sendo que, muitas vezes a indiferença a crimes escabrosos também funciona como defesa.

Já o segundo caso se relaciona com o desejo por governos truculentos, considerando a criminalidade fora de controle. Uma operação que mata mais de uma centena de pessoas faz o desejo recrudescer. “Boa parte da classe média quer ficar longe da favela e da pobreza, com o desejo pelo emprego do monopólio da violência”, diz Lopes.