SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – O momento mais caótico da história do Império Romano pode ter deixado suas marcas numa vala comum de 1.700 anos descoberta na atual Croácia. No local, arqueólogos encontraram possíveis restos mortais de soldados que teriam tombado durante o confronto entre dois imperadores rivais, numa época em que nenhum senhor de Roma conseguia conservar o poder por muito tempo.
Detalhes da descoberta, com uma análise minuciosa dos esqueletos dos homens e de seu material genético, estão em artigo publicado no último dia 15 no periódico científico Plos One. Para a equipe liderada por Mario Novak, do Centro de Bioantropologia Aplicada da Universidade de Primorska, na Eslovênia, o mais provável é que as vítimas tenham morrido durante ou logo depois da batalha de Mursa, no ano 260 d.C.
Foi quando se enfrentaram na região o imperador Gallienus e seu antigo general, Ingenuus, que se declarou imperador também e desafiou o líder. Gallienus acabaria levando a melhor, governando mais alguns anos antes de ser traído por outros militares sob seu comando ele acabou sendo assassinado.
Esse histórico de guerras civis e intrigas letais se encaixa muito bem no período conhecido como Crise do Terceiro Século, o qual, como o nome diz, engloba boa parte da história romana no século 3º d.C., do ano 235 ao ano 284.
Ao longo dessas décadas, ao menos 26 pessoas diferentes se declararam imperadores, ou seja, a média de duração dos reinados passou a ser de menos de dois anos, e os governantes quase sempre morriam de forma violenta. O território dominado por Roma, que ia das fronteiras da atual Escócia até o rio Eufrates, no Iraque de hoje, acabou se fragmentando. “Mini-impérios”, com governos rebelados, surgiram tanto no extremo ocidental quanto no extremo oriental dos domínios romanos.
Com exceção dos relatos escritos relativamente esparsos sobre essa fase, porém, evidências diretas dos conflitos da Crise do Terceiro Século são relativamente raras. Novak e seus colegas acabaram tendo acesso aos esqueletos da época por um fator improvável (e muito conveniente para os cientistas): obras de construção de uma biblioteca universitária na cidade croata de Osijek, que começaram em 2011.
Durante a obra na Universidade Josip Juraj Strossmayer, apareceram restos de uma série de poços muito antigos, datados da época da ocupação romana na região, quando a localidade era conhecida como “Colonia Aelia Mursa”. E, entre esses poços, numa cova de dois metros de largura por três metros de profundidade, os arqueólogos encontraram os corpos de sete homens adultos.
As datações revelaram que todos os mortos tinham idade um pouco superior a 1.700 anos, com margem de erro muito próxima entre si, e no poço também havia uma moeda romana cunhada no ano 251 d.C., tudo sugerindo fortemente que eles tinham sido sepultados (ou jogados) ali de uma vez só.
Já a análise dos esqueletos mostrou que quatro dos mortos eram adultos mais jovens (idades entre 18 e 35 anos) e três mais velhos, mas não idosos (de 36 até 50 anos). Tinham altura média de 1,72 m, porte físico robusto e um esqueleto marcado por exercício físico exaustivo (carregando peso, por exemplo) e infecções respiratórias.
Três deles também apresentavam sinais de fraturas sérias que tinham sarado ao longo da vida, principalmente no alto da testa, provavelmente causadas por golpes com objetos contundentes (como um porrete). E, o mais intrigante, dois deles tinham marcas de ferimentos sérios aparentemente associados ao momento da morte. Em um dos homens, uma perfuração no peito que poderia ter sido feita por uma flecha e, no outro, o úmero (osso entre o ombro e o cotovelo) foi cortado quase até a medula, provavelmente obra de um golpe de espada.
Por fim, os dados de DNA, obtidos para apenas três dos indivíduos por causa da degradação do material genético com o tempo e da contaminação, indicam que nenhum deles era nativo da região de Mursa, na época. Dois tinham afinidades genéticas com grupos do norte da Europa e da atual Ucrânia, enquanto o terceiro mostra ligações com o Mediterrâneo Oriental.
As várias peças do quebra-cabeças sexo, idade, ferimentos já curados e os que aconteceram no momento da morte, os dados de DNA e a datação apontam para interpretar os defuntos como um grupo de soldados que morreu ou foi executado durante o combate entre os imperadores, argumentam os arqueólogos.
Além disso, a origem “estrangeira” dos possíveis soldados se encaixa bastante bem com essa fase da história romana, na qual o recrutamento de homens vindos de regiões fora do império se tornou cada vez mais comum, transformando o exército de Roma numa das instituições mais cosmopolitas da época.




