BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Autor do requerimento de criação da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre o crime organizado, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) afirmou que a ideia do grupo é “encontrar consensos técnicos” entre governo e oposição e que isso não passa apenas por mudança na legislação. A CPI será instalada no Senado na próxima terça-feira (4), data em que a realização da Operação Contenção no Rio de Janeiro, com 121 mortos, completa uma semana.

“Não é verdade que o Brasil precisa de uma PEC para ter atuação policial integrada. Não é verdade que precisa de uma mudança na definição de organização criminosa, na tipificação, para fazer um combate duro. O que precisa é apenas ajustar tempo e forma de processo”, disse Vieira em entrevista à Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (31).

Ele se refere à PEC da Segurança, proposta pelo governo federal, e ao projeto de lei que equipara organizações criminosas a terroristas, capitaneado por políticos da oposição, como Guilherme Derrite (PP), secretário da Segurança Pública de São Paulo.

“Não é que a legislação não seja importante. Ela é. Mas ela não pode servir de desculpa nem pode ser a única ação”, afirmou Vieira. Nesta sexta, o governo federal enviou mais um texto à Câmara dos Deputados, batizado de projeto Antifacção.

Vieira pondera que tanto Senado quanto Câmara já aprovaram um pacote importante de projetos de lei sobre o tema da segurança pública, mas que agora é preciso “que se faça um trabalho sério de integração desses projetos, envolvendo também o Executivo, e deixando de lado vaidades politiqueiras”.

“Não interessa quem é o autor. O que interessa é que seja uma boa legislação e que seja rapidamente entregue. E elas [as leis] são importantes, mas não vão mudar o cenário só pela existência delas. Porque nós temos problemas que são de gestão, de execução, de orçamento. E isso vai se resolver dentro de uma construção política, que acho que a CPI pode ajudar a viabilizar”, disse ele.

No Senado, horas após a deflagração da Operação Contenção, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) articulou para votar no plenário da Casa um projeto de lei originalmente apresentado por Flávio Dino [ex-senador pelo PSB e hoje ministro do STF] e que define os casos em que a conversão de prisões em flagrantes em prisões preventivas (sem prazo) deve ser obrigatória após audiência de custódia.

Dias antes, os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Fabiano Comparato (PT-ES), também políticos de espectros opostos, juntavam proposições semelhantes para aprovar uma penalidade maior ao adolescente infrator.

No caso do Rio de Janeiro, Vieira cita a necessidade de planejamento e diz estar preocupado com o fato de ainda não ter sido divulgado pelo governo fluminense qual seria o próximo passo da Operação Contenção.

“Quando faço um movimento daquela magnitude, é minha obrigação como gestor, técnico ou político, saber qual é o próximo passo. Ninguém falou ainda o que vai fazer e por que fizeram naquele formato. Porque, se for somente aquilo, é muito ruim. Porque você enfraqueceu a facção, mas esse enfraquecimento é muito rapidamente suprido. Se o prejuízo foi de R$ 10, 20 milhões, isso vai ser reposto em uma ou duas semanas no máximo. Se perdeu 100 soldados do crime, esses soldados vão ser repostos em um mês ou dois no máximo”, disse ele.

“Temos que ter esse discernimento que segurança pública é uma atividade contínua. Tem que ser planejada e suficientemente financiada. E o estado do Rio de Janeiro tem que explicar por que investe tão pouco em inteligência, proporcionalmente em relação a outros estados, por exemplo”, apontou ele.

Mas Vieira ponderou que não vê razão para comparar a Operação Contenção com a Operação Carbono Oculto, de São Paulo, que mirou o braço financeiro do crime organizado. “Eu preciso cuidar da parte financeira, mas só isso não garante a retomada do território. São coisas diferentes e precisam atuar em conjunto. Por isso que precisa ter planejamento, inteligência, integração e continuidade”, defendeu ele.

Vieira deve assumir a relatoria da CPI, que será composta por 11 titulares e sete suplentes. Entre os titulares já indicados pelos partidos estão Otto Alencar (PSD-BA), Jaques Wagner (PT-BA), Flávio Bolsonaro e Sergio Moro. Já a cadeira de presidente da CPI ainda está indefinida. Vieira afirma que conversa com governistas e integrantes da oposição para achar “um nome que entregue equilíbrio”.

“Não adianta palanque. Somos parlamentares e é natural o discurso político, a busca por voto, está tudo correto, mas isso não pode contaminar o andamento dos trabalhos. Não pode ser uma coisa que vire um circo para poder desgastar alguém ou elevar alguém. Aí a gente perde muito”, avisou ele.

Questionado sobre as reações do meio político à operação policial no Rio —como a reunião dos governadores de direita em apoio a Cláudio Castro (PL) e com críticas ao governo Lula (PT) -, Vieira afirmou que é natural que se tenha uma disputa eleitoral e de narrativas, mas reforça que a ideia da CPI não é servir de palco de embate entre governo e oposição.

“O que a gente tem que tentar fazer na CPI é trazer esta discussão para um centro técnico, para que a gente chegue a consensos técnicos. Os bons profissionais sabem o que tem que ser feito e a gente precisa dar voz para essas pessoas. Um consenso que nos leve a um plano nacional de segurança de verdade. E não coisas que às vezes são elaboradas em gabinetes de Brasília e que estão desconectadas da realidade, na ponta”, disse ele.

Vieira planeja começar a CPI por um diagnóstico amplo sobre as organizações criminosas, quais são, onde estão e como atuam no território nacional. Depois, o trabalho é entender o que já está sendo feito pelo poder público, separando o que funciona do que não está sendo eficiente. Serão ouvidos não apenas estudiosos do tema, mas também pessoas que vivem nas comunidades que são diretamente impactadas pela ocupação territorial de facções. O final do trabalho é apresentar um relatório com soluções para o problema.

“O Judiciário não tem capacidade de resposta para isso. Não é papel deles. Construir consenso político e fazer política pública é papel do Legislativo e do Executivo. E a gente tem que retomar esse papel e exercer”, afirmou Vieira.