PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – O Brasil não quer “dizer aos Estados Unidos o que eles têm de fazer” ao propor mediar a crise com a Venezuela, e sim mostrar disposição para ajudar. Assim Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assuntos internacionais, definiu a oferta brasileira de mediação, que Washington tende a rejeitar.
“Nós temos a nossa opinião. Mas isso cada país resolve. É saber que, se eles [os EUA] quiserem, nós temos a disposição de tentar ajudar, como nós já fizemos outras vezes”, disse Amorim, em entrevista à reportagem, nesta sexta-feira (31), em Paris.
Amorim afirmou que “se acontecer algo pior, vai ser muito ruim” para as relações. “Não para o Brasil, mas para a América do Sul em geral”, disse. Ele esteve na França para o Fórum de Paris pela Paz, encontro internacional anual de políticos, autoridades e sociedade civil.
Lula, que no domingo (26) se encontrou na Malásia com Donald Trump, propôs a mediação ao presidente americano. Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que interlocutores do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, rejeitam a proposta.
Desde agosto, os EUA iniciaram uma escalada militar na região, afundando navios supostamente carregando drogas vindas da Venezuela. Há duas semanas, Trump confirmou ter autorizado ações da CIA, a agência americana de inteligência, em território venezuelano. O ditador Nicolás Maduro acusa Trump de fomentar um golpe de Estado.
O ex-chanceler (1993-94 e 2003-2010) lembrou que o Brasil tem um histórico diplomático concreto na região. Duas décadas atrás, ajudou a criar um Grupo de Países Amigos que negociou o referendo de 2004 sobre a permanência de Hugo Chávez na Presidência venezuelana.
“Não estou dizendo que agora as soluções são as mesmas, mas não é uma coisa abstrata, é uma experiência concreta de ter conduzido uma solução pacífica naquele momento.” Chávez foi mantido com 59% dos votos, resultado contestado pela oposição.
À reportagem Amorim comentou a trégua de um ano anunciada por EUA e China sobre terras raras e tarifas. No fórum parisiense, ele havia lembrado que o Brasil também é possuidor de terras raras. Não confirmou, porém, se o tema foi discutido entre Lula e Trump. “Temos que saber definir as nossas necessidades, não só hoje, mas no nosso projeto de desenvolvimento”, afirmou.
Na quarta-feira (29), Amorim participou de jantar oferecido pelo presidente da França, Emmanuel Macron, aos participantes do Fórum pela Paz. Macron mencionou sua viagem ao Brasil na semana que vem, para o Festival Nosso Futuro, em Salvador, e a COP30, conferência do clima da ONU, em Belém.
Segundo Amorim, Macron não fez menção à crise de violência no Rio de Janeiro, onde no dia anterior uma operação policial matou 121 pessoas. O ex-chanceler qualificou o fato de “tragédia inacreditável”.
“Além de nos revoltar, nos envergonha. E se você olhar as imagens, inclusive, nos envergonha duplamente, porque há um nítido componente de cor e de raça no que aconteceu.” Ele disse não acreditar, porém, que a crise possa ter um impacto negativo sobre a organização da COP30.
O ex-chanceler se disse confiante em relação à possibilidade de o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, ao qual Macron se opõe, ser assinado até dezembro, como deseja o presidente Lula.
“Nós temos uma expectativa positiva. Não sou ingênuo, sei que pode ter coisas que surjam, mas nós temos visto o avanço”, afirmou. Segundo Amorim, o acordo teria “o mérito de fortalecer a ideia de uma multipolaridade também no campo econômico”.
Apesar da conjuntura geopolítica tensa, Amorim afirmou ser “otimista por natureza”. “Se não fosse, eu não continuaria trabalhando com 83 anos, eu estaria, digamos, fazendo como o Candide, cuidando do meu jardim”, afirmou, em referência ao personagem de um conto de Voltaire. “Não tenho jardim, mas enfim, tenho uns vasinhos que eu podia regar. Mas sempre é possível fazer mais.”




