SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O secretário da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, afirmou que os complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio, se tornaram o QG nacional do Comando Vermelho em nível nacional.
O QUE ACONTECEU
Polícia diz que são dos complexos da Penha e do Alemão que partem as decisões da facção criminosa. “[Lá decidem] as diretrizes para todos os outros estados onde o CV tem atuação”, alertou Felipe Curi, em entrevista coletiva nesta sexta-feira (31).
Os complexos também são centros de treinamento de criminosos de todo o país. “São centros decisórios da facção e de formação, também. De narcoterroristas de todo o país, que vieram de outros estados para pegar o know-how da facção e levarem para os seus redutos de origens, ou seja para suas cidades. Nós temos aí exemplos fartos, Bahia, Ceará, Pará, Amazonas, entre vários outros estados”, alertou o secretário de Polícia Civil.
Novo QG nacional do CV também se tornou centro de distribuição de armas e drogas, segundo a polícia. “Se tornaram centros de distribuição de armas e drogas para outros complexos e favelas do Rio de Janeiro, como Salgueiro, Jacarezinho, da Maré, Manguinhos e outras comunidades. Chegam em torno de dez toneladas de drogas por mês nesses locais, que depois são redistribuídos para outros complexos. São negociados cerca de 50 a 70 fuzis por mês, que também chegam da Penha e do Alemão e são redistribuídos para outras favelas”, acrescentou Curi.
Governo do Rio defende mobilização nacional para combater a organização criminosa. Felipe Curi declarou que as práticas da facção são terroristas e de guerrilha, com ordens para execução de desafetos e agentes públicos.
Dos 117 suspeitos mortos na operação Contenção, 99 já foram identificados. Desses, 78 tinham histórico criminal, sendo que 42 tinham mandados de prisão em aberto. Entre os mortos identificados, 39 são de outros estados (13 do Pará, 7 do Amazonas, 6 da Bahia, 4 do Ceará, 4 de Goiás, 3 do Espírito Santo, 1 do Mato Grosso e 1 da Paraíba).
POR QUE REDUTO DO CV NO RIO VIROU ABRIGO DE FORAGIDOS DE TODO PAÍS?
Poder bélico dificulta a entrada das forças de segurança. A grande quantidade de fuzis na região torna a comunidade apta para receber foragidos de todo o país. Isso porque o volume de armas permite ao CV se proteger das ações policiais e de ataques de facções rivais, dizem especialistas consultados pelo UOL.
Localização é favorável para fugas. A Vila Cruzeiro, por exemplo, é uma das 13 favelas que formam o Complexo da Penha, que abriga cerca de 70 mil famílias. O conjunto de favelas fica a apenas 5 km do Complexo do Alemão, também apontada como base estratégica do CV. Além disso, as duas regiões são separadas por estradas de terra e morros de mata fechada propícias para serem usadas como rotas de fuga em perseguições policiais.
Criminosos constroem blocos de concreto para obstruir a passagem da polícia. Assim, os agentes precisam descer dos chamados caveirões, veículos blindados em operações perigosas, ficando na mira de traficantes na parte alta do morro. “Isso ocorre quando a policia está tentando entrar na favela por baixo, por causa da restrição do uso de helicópteros nas operações”, diz o promotor Rodrigo Merli, do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo), responsável pela denúncia do caso Gritzbach.
Líder do Comando Vermelho na Vila Cruzeiro tem perfil violento. Edgard Alves de Andrade, o Doca, atrai apoio de aliados de outras regiões, explicam especialistas em segurança pública. O Disque Denúncia do Rio oferece recompensa de R$ 100 mil por informações que levem a polícia a capturar dele, investigado por mais de 100 homicídios, apontado como o mandante do assassinato de três médicos na Barra da Tijuca, investigado pelo desaparecimento de três meninos em Belford Roxo e tentativa de sequestro do helicóptero do piloto Adonis Lopes. Há mais de 20 mandados de prisão contra ele.
A MEGAOPERAÇÃO NO RIO
Investigação da polícia deu origem a operação mais letal do Rio, que deixou ao menos 121 mortos. A ação foi realizada na terça-feira nos complexos da Penha e do Alemão, conduzida pelas polícias Civil e Militar, e mobilizou cerca de 2.500 agentes para cumprir mandados de prisão e busca e apreensão.
O número ultrapassa o massacre do Carandiru, em São Paulo, em 1992, quando 111 detentos foram mortos. Outras nove pessoas ficaram feridas, entre elas três moradores e seis policiais  quatro civis e dois militares.
Moradores encontraram dezenas de corpos em uma área de mata no alto da Serra da Misericórdia, no Complexo da Penha. As vítimas foram levadas para a Praça São Lucas, onde equipes da Defesa Civil fizeram a remoção. O Instituto Médico-Legal do Rio foi fechado para receber exclusivamente os corpos da operação, e a Defensoria Pública montou um posto de atendimento para auxiliar as famílias na identificação das vítimas.
A polícia diz que a operação foi planejada durante um ano e teve como alvo lideranças do CV. Segundo os investigadores, os chefes da facção controlavam o tráfico em diferentes regiões do estado. Foram apreendidas 118 armas, incluindo 91 fuzis, e 113 pessoas foram presas, incluindo suspeitos que vieram de outros estados. O material recolhido segue em análise pelos órgãos de segurança.
OPERAÇÃO MAIS LETAL DA HISTÓRIA DO RIO
“É a maior chacina do Rio de Janeiro”, disse cientista político que acompanha operações com uso de violência no estado. A declaração é do diretor do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro), Pablo Nunes. “Algo completamente sem precedentes, sem nenhum tipo de justificativa, talvez a operação mais irresponsável da história do Rio de Janeiro e mostra a total falência desse governo do Estado na área de segurança pública”, afirmou.
Número de mortos na operação Contenção superou o da ação policial na favela do Jacarezinho, em 2021. Em 6 de maio daquele ano, a incursão na comunidade na zona norte do Rio terminou com 28 pessoas mortas. “Essa operação é uma das mais letais da história do Rio de Janeiro”, afirmou ao UOL o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.
A megaoperação foi mal planejada, diz pesquisadora. Ao mobilizar 2.500 policiais para os Complexos do Alemão e da Penha, o governo do Rio deixou milhões de pessoas sem a proteção dos agentes, aponta Jacqueline Muniz, professora do Departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense). “Você não viu integração com o Ministério Público Federal, com a Defensoria, com a Guarda Municipal para ajudar a população no desvio de rotas. Não teve nem uma central de crise.”
Governador do Rio disse não acreditar que alguém estivesse passeando na mata durante o conflito e que por isso não vê erros na operação. O mandatário fluminense afirmou que todos que morreram ali eram criminosos.
“O conflito foi todo na mata, não creio que tivesse alguém passeando na mata em dia de conflito. A gente pode tranquilamente classificar e, se tiver algum erro, ele será irrisório. O critério que falamos com tranquilidade é que são criminosos, porque no planejamento o conflito estava em áreas para não afetar a população”, disse Claudio Castro, governador do RJ.






