SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quase um terço (31,9%) dos estudantes com deficiência no Paraná não está matriculado em escolas regulares, conforme prevê a legislação brasileira, e estudam em instituições de ensino especializadas.
Dados do Censo Escolar 2024 mostram que o estado possui maior índice de alunos fora das escolas regulares do país. O percentual é quatro vezes o da média brasileira, em que 7,4% dos estudantes com deficiência estão matriculados em salas ou escolas especiais.
Em nota, a Secretaria da Educação da gestão Ratinho Júnior (PSD) disse que tem “compromisso com uma inclusão responsável, que assegure a cada estudante o atendimento adequado às suas necessidades individuais” e por isso, apoia a manutenção de escolas especializadas.
A política do governador vai na contramão do previsto em leis nacionais e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, que definem a matrícula de crianças e adolescentes com deficiência prioritariamente em escolas comuns.
O governo paranaense, no entanto, tem apostado em investir recursos da educação em entidades filantrópicas, como as Apaes, para que elas recebam estudantes com deficiência intelectual, transtorno do espectro autista ou que tenham múltiplas deficiências com alta necessidade de suporte. O programa do governo é chamado de “Todos Iguais pela Educação”.
A constitucionalidade da política foi questionada no STF (Supremo Tribunal Federal) em março deste ano. Um decreto publicado pelo presidente Lula (PT) no último dia 21 também pode dificultar a manutenção desse modelo no Paraná, já que o texto define que a matrícula em escolas especializadas não substitui o atendimento em unidades regulares.
Ou seja, crianças e adolescentes com deficiência podem ser atendidos em instituições especializadas, mas também precisam estar matriculados em escolas e turmas comuns. Esse ponto é questionado e criticado por parlamentares que têm se mobilizado para derrubar o decreto que instituiu a política.
Segundo os dados do Censo Escolar, a proporção de alunos com deficiência no Paraná que estudam em escolas especializadas é maior do que o Brasil tinha uma década atrás. Em 2015, o país tinha 19,3% desses estudantes matriculados em instituições do tipo.
A continuidade dessa política levou a FBASD (Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down) a ingressar com uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) no STF, questionando a legalidade dos repasses de recursos públicos da educação para instituições filantrópicas.
“Não queremos acabar com essas instituições nem impedir que elas recebam recursos. Mas elas não são escolas. Elas oferecem serviços, terapias e atividades importantes, mas que devem ser um complemento à escola, não uma substituição a elas”, diz Cleunice Bohn de Lima, presidente da federação.
A ação tem o ministro Dias Toffoli como relator, que pediu uma análise da AGU (Advocacia Geral da União). O órgão avaliou que as leis do Paraná para a manutenção do programa contrariam o que define legislações nacionais como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e a LBI (Lei Brasileira de Inclusão), além de decretos presidenciais sobre o tema.
“[A lei paranaense institui] modelo de atendimento educacional especializado que permite e, em certa medida, fomenta que alunos com deficiência e com transtornos globais de desenvolvimento estudem exclusivamente em escolas especiais, de forma separada em relação aos demais estudantes”, diz documento assinado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias.
A professora Liege Margo Schmitt, 48, é uma das mães que precisaram brigar para que sua filha conseguisse estudar em uma escola regular. Quando a menina que tem síndrome de Down estava no 1º ano do ensino fundamental, tentaram convencê-la de que o melhor seria matricular a criança em uma escola especial.
“As escolas estavam reabrindo após a pandemia e minha filha tinha ficado mais de um ano em casa. É claro que ela teve alguma dificuldade de adaptação no começo, mas usaram essa situação para dizer que ela deveria ir para uma escola especial”, conta a mãe.
Elas moram em Foz do Iguaçu e a situação ocorreu em uma escola municipal. Para Liege, a política estadual de incentivo às escolas especializadas influencia as redes municipais do estado, já que elas priorizam enviar as crianças com deficiência para essas instituições em vez de investir em estratégias de inclusão em suas próprias unidades.
“O fato de haver muitas escolas especializadas no estado e se naturalizar a segregação das crianças com deficiência faz com que as redes de ensino não se preocupem com a inclusão. Qualquer dificuldade ou adaptação que seja necessária para a criança aprender vira desculpa para a mandarem para uma escola especial”, diz Liege.
Ela conta ter insistido e brigado para a filha continuar na escola regular, o que conseguiu. Hoje, a menina está no 5º ano do ensino fundamental.
“Tive que brigar para que minha filha tivesse um direito assegurado há mais de uma década pela legislação: o direito de estudar em uma escola comum, de ter seu direito ao aprendizado respeitado.”
Instituições como as Apaes não costumam dividir os alunos em séries ou seguir um currículo escolar, como é obrigatório nos colégios regulares.
O Paraná mantém convênios com 343 escolas especializadas em todo o estado e destina cerca de R$ 480 milhões ao ano para que elas atendam os alunos com deficiência. Questionada, a secretaria não informou se esses recursos são exclusivos do estado ou se englobam repasses do Fundeb, que são feitos pela União.
Segundo a Secretaria de Educação, essas instituições atendem 48 mil alunos, sendo que metade deles já tem mais de 18 anos.
“O Governo do Estado defende que a inclusão deve ocorrer com estrutura, suporte e preparo técnico, garantindo o real desenvolvimento dos estudantes. Não se trata apenas de estar em sala de aula, mas de oferecer condições efetivas de aprendizagem e acompanhamento especializado”, disse em nota a secretaria.






