SALVADOR, BA, E RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – A Operação Contenção, que deixou ao menos 121 mortos na última terça-feira (28) e foi a mais letal da história do Brasil, indicou a existência de um esquema de intercâmbio e de proteção entre o Comando Vermelho e os líderes de suas bases em estados do Norte e Nordeste que estavam no Rio de Janeiro.
Informações da Polícia Civil do Rio de Janeiro apontam que ao menos 33 dos 113 presos na operação nos complexos do Alemão e da Penha eram de outros estados. O número de mortos ainda é incerto, mas a Folha apurou que ao menos 24 deles são do Pará, Ceará, Maranhão, Bahia e Goiás.
Os dados corroboram investigações das polícias que apontam que comunidades do Rio de Janeiro têm servido de refúgio para líderes de outros estados em meio a um movimento de expansão do Comando Vermelho.
A facção criminosa atua em ao menos 22 estados brasileiros, aponta o Relatório do Mapa de Orcrim (Organizações Criminosas) 2024, elaborado pelo Ministério da Justiça e divulgado em setembro do ano passado.
No Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto, na região central do Rio, é grande o movimento de familiares vindos de estados como Pará, Bahia e Goiás. Parte dos parentes não possui documentos das vítimas, o que, segundo a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, tem dificultado a liberação dos corpos.
Um relatório ao qual a reportagem teve acesso aponta que 17 alvos da operação ao menos um dele com morte confirmada eram da Bahia. Parte tinha mandados de prisão em aberto e outros já haviam sido detidos por crimes como homicídio e tráfico de drogas.
Também foram identificados 15 mortos oriundos do Pará, 4 do Ceará, 1 do Maranhão e 4 de Goiás, segundo pessoas ligadas à investigação.
Um dos mortos, Lucas da Conceição, era do Maranhão e conhecido como “Mata Rindo”. Era considerado por investigadores uma liderança da facção em Chapadinha, cidade de 81 mil habitantes do interior do estado. Ele tinha mandado de prisão preventiva em aberto por homicídio qualificado e respondia a quatro processos.
Ao todo, 32 mandados de prisão foram decorrentes de investigações feitas pela Polícia Civil do Pará. Desses, cinco foram cumpridos. De acordo com a corporação, os alvos paraenses se deslocaram para o Rio de Janeiro, de onde continuaram articulações em prol das ações criminosas no estado do Norte.
Entre os paraenses, estão pessoas investigadas por envolvimento em crimes como tráfico de drogas, organização criminosa, homicídios, extorsão, roubos e ataques contra agentes e viaturas de segurança.
Na Bahia, foi identificado no relatório como morto Júlio Souza Silva, 26, conhecido como Julio Galego. Ele é apontado como um dos líderes do grupo criminoso no bairro do Vale das Pedrinhas, já havia sido preso por tráfico de drogas e cumpria pena em regime semiaberto.
Dentre os presos estão membros do grupo criminoso em Salvador, cidades da região metropolitana e do interior. Nenhum deles, contudo, está na relação dos foragidos mais perigosos listados pela Secretaria de Segurança Pública.
O Comando Vermelho se estabeleceu na Bahia a partir do ano de 2020, em meio à pandemia da Covid-19. As investigações apontam que este foi o ano em que o grupo criminoso do Rio de Janeiro absorveu a facção local Comando da Paz.
A aliança abriu novas rotas para a aquisição de drogas e armas no estado e acirrou a violência na disputa por territórios em bairros periféricos de Salvador e do interior, inclusive em municípios de pequeno porte.
A principal adversária é a facção local BDM (Bonde do Maluco), que é aliada do PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo.
Outro estado em que Comando Vermelho ganhou terreno nos últimos anos é o Ceará. A facção atua no estado ao menos desde 2015 e vem tomando áreas dominadas pela facção local GDE (Guardiões do Estado). O Ceará é cobiçado por abrigar o porto de Pecém, estratégico pela proximidade com a Europa e os Estados Unidos.
A disputa por territórios no estado tem sido marcada por crimes que chocaram a sociedade. Em maio, quatro homens foram mortos enquanto jogavam futebol em um campo no bairro Barra do Ceará, em Fortaleza. No mesmo mês, duas irmãs foram mortas na praia por homens que chegaram em uma moto aquática.
O crime organizado também passou a mirar a prestação de serviços para ampliar seus ganhos. Um dos alvos foram empresas provedoras de internet, cujos donos eram ameaçados por criminosos, que exigiam parte das mensalidades. Quem não aceitava o achaque tinha a infraestrutura de distribuição destruída.
Em março, uma operação da Polícia Civil prendeu 17 pessoas e cumpriu buscas em 14 sedes de provedores de internet, parte delas clandestinas, sem autorização ou cadastro para funcionamento.
Também foram identificadas conexões das facções com a política institucional. Os prefeitos de Santa Quitéria e Iguatu, ambos eleitos no ano passado, foram cassados pela Justiça Eleitoral devido a elos com o Comando Vermelho.
Um relatório da Polícia Civil do Ceará aponta que a organização criminosa tem superado as rivais e “muito em breve” assumirá o controle total de Fortaleza e dos principais municípios do estado. O documento foi revelado em setembro pelo jornal Diário do Nordeste e confirmado pela Folha.
Diretor da Diretoria Integrada Especializada da Polícia Civil de Pernambuco, o delegado Ivaldo Pereira afirma que o Comando Vermelho tem flexibilidade nas associações a grupos criminosos locais.
“Enquanto o PCC tem uma estrutura mais centralizada e empresarial, o Comando Vermelho tem uma facilidade de se associar a qualquer grupo. Eles se associam a grupos locais e oferecem armamentos, drogas por um preço menor e fortalecem os grupos locais a atuar contra seus inimigos, que algumas vezes são resquícios do PCC”, afirma.
“O crime organizado busca locais de vulnerabilidade, como os presídios, e onde há pobreza e degradação social. Oferecem o que chamamos de narcoassistencialismo, que é oferecer cestas básicas, festas locais, presentes para crianças, ganhando a população, e depois começam a se impor”, acrescenta.
Para o delegado Pereira, ações de enfrentamento ao crime organizado precisam focar no lado financeiro das organizações criminosas.
Em Pernambuco, cidades como Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, na região metropolitana do Recife, estão envolvidas em disputa de facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas.
A região tem uma disputa por áreas entre a CLS, que tem ligação com o Comando Vermelho, e outro grupo local que tem parceria com o PCC. Em 2023, uma crise de segurança na área sul do Grande Recife afetou, inclusive, o balneário de Porto de Galinhas, em Ipojuca, principal ponto turístico do estado.






