FOLHAPRESS – Quando surgiu no cinema dos Estados Unidos, Noah Baumbach representou um sopro de juventude e inventividade, em suma como contraponto a um cinema carcomido pela inflação de super-heróis, guerras e violência.

Era a vida das pessoas que interessava. Mais tarde, a vida das bonecas, quando escreveu o roteiro de “Barbie”, imenso sucesso dirigido por sua mulher, Greta Gerwig. E assim prossegue. Baumbach é também um cineasta da família. Assim, embora “Jay Kelly” se debruce sobre a história das dores da celebridade sentidas por um astro de cinema, tudo o que importa —ou ao menos o que mais importa— são as relações familiares.

Jay Kelly, papel de George Clooney, é um ator tão famoso e de boa reputação que chega a se olhar no espelho e ver Gary Cooper, Cary Grant. Ao mesmo tempo, seu prestígio se encolhe dramaticamente quando tenta se aproximar de suas filhas.

A mais velha carrega mil e um rancores do pai, tão dedicado ao trabalho e à glória quanto desinteressado por ela. Como a menina joga isso na cara de Jay com todas as palavras, ele sente o golpe. Tenta então se aproximar da filha mais nova, adolescente, que se prepara para passar as férias na Europa.

Para estar perto dela, Jay rompe o contrato que tem para o próximo filme e resolve viajar para a Europa. Não é difícil imaginar o desgosto de seu fiel agente, Ron, interpretado por Adam Sandler, que representa a ideia de profissionalismo cinematográfico, primeiro, mas também a de que o cinema é uma máquina e que, se você parar, está perdido, e se não parar também. Ron é um candidato ao enfarte em tempo integral.

Temos então a situação central do filme —Jay embarca apressadamente em seu jatinho, seguido de uma comitiva que inclui até cabeleireiro e maquiador. É a seguir que vem o coração do filme, ou a sequência mais empenhada —para melhor seguir os passos da filha, Jay e sua trupe embarcam na segunda classe de um trem europeu.

De tudo isso é obrigatório concluir que celebridade —algo mais que a fama— é um atropelo para a família. Ou se tem um, se tem outro. Jay se deleita encontrando os parentes, mas para Ron isso é uma catástrofe. Se um agente é o sujeito que segura as pontas para que os atores tenham sossego para trabalhar, o que pode ele fazer quando o ator desafia todas as normas que norteiam sua vida e resolve não trabalhar?

Ou seja, em vez de tratar a fama como um drama, Baumbach a trata como uma “screwball comedy”, o que se chama no Brasil de comédia maluca. Esse gênero supõe a presença de ao menos um personagem excêntrico. E o personagem é justamente Jay. O contraste vem do agente, que sacrificaria tudo —a família, inclusive— para que triunfe a ordem do profissionalismo hollywoodiano.

Tanto o ator como o agente são excêntricos. Mas, de certa forma, o humor vem menos dos personagens do que daquilo que os circunda: as pessoas da trupe, o pai, a ex-mulher de Ron —papel de Laura Dern, numa aparição mais curta do que se poderia desejar. As situações aflitivas é que fazem o humor, mais do que Jay ou Ron. É o caso do encontro com a filha no trem europeu. Ele julga estar fazendo o certo, ao se aproximar da filha, mas está apenas atrapalhando o namoro dela.

Existe outro momento importante, ou que se deve assinalar, no filme. O encontro fortuito de Jay com o velho amigo, colega na escola de artes. Tudo começa com alegres lembranças, nas quais Jay constata que o feliz da história é o amigo, que deixou o teatro e o cinema para se tornar terapeuta e se dedicar à família e aos cachorros, enquanto para ele sobrou a glória e os aborrecimentos.

Mas o amigo não vê as coisas da mesma forma. O sucesso de Jay representa e amplifica o seu fracasso como ator, é motivo de ressentimento profundo, que destila pouco a pouco.

Pode-se dizer, não sem razão, que esses sentimentos a respeito de fama, fracasso e família não são o que de mais profundo o mundo —incluído o cinema— já criou. Pode ser. Mas o cinema de Baumbach sempre teve como alvo a diversão do espectador. Ele é bem clássico nesse sentido. E a família é o núcleo mais cultivado na atualidade, quando o mundo tende a se tornar hostil a quase todas as pessoas.

Assim, Baumbach visa o sentimento familiar a partir de seu oposto, isto é, da impossibilidade de um homem bem-sucedido como Jay Kelly acompanhar a vida de seus filhos, de tão ocupado que está pela tarefa de vencer na vida, trabalhando muito e relegando os entes queridos a segundo plano. A maior parte dos espectadores certamente não é tão bem-sucedida quanto o astro do cinema, mas entende bem o que é trabalhar para se manter —e manter a família— em boas condições.

Isso é o que pode fazer o interesse de “Jay Kelly”, além do fato de ser agradável —não hilariante— e de dar o devido destaque a um dos maiores astros contemporâneos do cinema, George Clooney, além do sempre funcional Sandler.

JAY KELLY

– Avaliação Muito bom

– Quando 30/10, às 19h, na Cinemateca Brasileira; 5 de dezembro na Netflix

– Classificação 14 anos

– Elenco George Clooney, Adam Sandler e Laura Dern

– Produção Estados Unidos, 2025

– Direção Noah Baumbach