SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tratada pelo governo fluminense como um sucesso, a operação policial mais letal da história da segurança pública brasileira que deixou ao menos 121 mortos, dentre eles quatro policiais foi apontada por especialistas como exemplo do que não se deve fazer no combate a organizações criminosas.
Pesquisadores em segurança pública ouvidos pela reportagem apontam que é preciso mais trabalho de inteligência e foco nas fontes de recursos do crime organizado, que hoje em dia vão muito além do narcotráfico e adentram mercados legais.
Também apontam para a necessidade de maior cooperação entre o governo federal e os estados, além daquela entre diferentes instituições ligadas à Justiça criminal e à segurança pública. E ainda evocam velhos conhecidos deste debate, como a reforma das polícias e as políticas de prevenção da violência, que envolvem maior presença do Estado nos territórios dominados por essas facções, além de programas para a juventude em contextos de vulnerabilidade.
Eles alegam que o modelo de combates armados em territórios adensados e já vulneráveis não tem dado resultados. “O que temos são mortes e pessoas presas sem nenhum efeito na diminuição da violência e na contenção do controle territorial armado”, afirma Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense. “Nossa série histórica de mapas de grupos armados mostra uma expansão de seu controle territorial. E o Comando Vermelho foi o principal alvo das operações, e também aquele que mais cresceu [no mapa].”
À crítica de que faltou inteligência na operação da última terça, o secretário de Segurança da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Felipe Curi, disse que “quanto mais inteligência, mais confronto vamos ter” afirmação altamente contestada por quem estuda o tema, e também por quem já esteve no comando de grandes operações.
“Quanto mais inteligência, menos confrontos. E há exemplos históricos e atuais dessa lógica”, afirma o cientista social e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Robson Rodrigues, que também é coronel da reserva e ex-chefe do Estado Maior da PM do Rio.
Rodrigues cita a operação Carbono Oculto, que integrou Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público de São Paulo e PM paulista e “detectou atividades do crime organizado que ainda não tinham sido mapeadas, sem dar nenhum tiro”.
A Carbono Oculto identificou ligações do PCC (Primeiro Comando da Capital) com o setor de combustíveis e com o mercado financeiro, e teve ações de busca e apreensão na Faria Lima.
Outros exemplos, segundo o pesquisador e coronel da reserva, são operação recente da Polícia Rodoviária Federal que apreendeu quase uma tonelada de cocaína e outra da Polícia Federal que desmantelou uma fábrica de fuzis no interior de São Paulo com capacidade para fazer mais de 3.000 unidades por ano.
“Qualquer uma dessas operações bate os números obtidos com base em muito drama, sangue e confronto pela operação desta semana no Rio de Janeiro”, critica ele.
Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Carbono Oculto deu um golpe importante na organização criminosa ao aliar inteligência financeira e de segurança. “Quando se consegue transcender chavões políticos e criar coordenação e cooperação efetivas, as instituições conversam e a coisa funciona.”
Para a socióloga Julita Lemgruber, ex-ouvidora da polícia do Rio de Janeiro, “é aquela velha história do follow the money [siga o dinheiro], o esquema financeiro das organizações. O que as facções conseguem com tráfico de drogas é parte do que obtêm com a quantidade de negócios que controlam. Então, não adianta dizer que vai na favela e vai recuperar dezenas de fuzis, como se isso fosse resolver o problema. Amanhã, haverá fuzis de novo.”
Para José Claudio Souza Alves, sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, esses grupos armados operam em mercados ilegais e legais, e as investigações são mais complexas. “É mais difícil, mas você descobre que não é só na favela que está a grana, ela se esparrama.”
Grillo explica que o tráfico de drogas é importante base econômica desses grupos, mas não é a única e talvez nem seja mais a principal. “O fato de o tráfico de drogas ser um mercado regulado por grupos armados, e não pelo Estado, favorece as facções. E há mercados legais, cuja fiscalização é de competência de agências, mas que não estão sendo devidamente regulados e têm sido dominados por esses grupos.”
Ela cita o mercado imobiliário em territórios populares, de empresas locais de serviços de internet e TV a cabo, de transporte alternativo e até fornecimento de gás de cozinha. “As milícias inauguraram este modelo de atuação, que passou a ser mimetizado pelo tráfico de drogas. E o ataque a essas bases econômicas não é feito por operações truculentas que fecham escolas, unidades básicas de saúde e geram um grande custo para a sociedade com benefícios muito limitados.”
Segundo a pesquisadora, como o controle territorial também se baseia no controle dos serviços lícitos no território, fiscalizar esses mercados é retirar recursos importantes das facções.
“Não adianta promover extermínio e encarceramento em massa dos soldados rasos dessas organizações, que são jovens negros e pobres, porque eles são facilmente substituíveis já que a desigualdade promove mão de obra farta para essas organizações”, completa.
Por isso, afirma Lemgruber, é preciso investir em prevenção à violência por meio de programas para a juventude que gerem outras oportunidades para jovens em situação de vulnerabilidade. Além disso, diz ela, a “polícia tem de estar no cotidiano desses territórios, e não apenas durante operações.”
Para o coronel da reserva Rodrigues, maior efetividade do trabalho de combate às facções requer também uma reforma das polícias e um aumento do efetivo. “As forças estão esgotadas porque têm os mesmos efetivos restritos enquanto o crime se expandiu”, avalia.
“O desenho das polícias e do sistema de justiça criminal são anacrônicos porque antecedem a transição democrática e guardam resíduos da ditadura”, diz. “Temos duas polícias, uma de investigação que não faz policiamento ostensivo, e uma de policiamento ostensivo que não faz investigação. Isso produz ineficiência.”
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos emitiu nota nesta quarta (29) em que afirmou que o Brasil precisa de uma “reforma policial abrangente”. Já o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu às autoridades brasileiras a investigação imediata das mortes ocorridas durante a operação.






