BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) – Se durante o sono a nossa atividade cerebral se regenera, muitas noites mal dormidas levam ao acúmulo de substância indesejadas que precisam ser eliminadas em algum momento, e é isso que pode estar por detrás da perda de concentração de pessoas em privação de sono. É o que sugere um novo estudo publicado na revista científica Nature Neuroscience.

Em 2019, o grupo de pesquisa responsável por essa nova descoberta havia observado que o líquido cerebrospinal apresenta padrões de comportamento durante o sono relacionados às ondas cerebrais. Também chamado de licor, essa substância tem diversas funções de proteção da nossa massa cinzenta. A hipótese dos especialistas é de que, entre outras tarefas, esse fluido seja responsável por limpar o encéfalo de compostos residuais que se acumulam ao longo do dia, preparando o terreno para uma nova jornada de atividades cognitivas.

A curiosidade fez com que os pesquisadores se perguntassem o que ocorreria com o mesmo líquido no caso de pessoas que passam por situações prolongadas de privação de sono. Para isso, recrutaram 26 pacientes que fizeram dois testes de atenção enquanto vestiam um capacete de encefalograma, capaz de registrar as ondas cerebrais, dentro de uma máquina de ressonância, para acompanhar a oxigenação do sangue e o movimento dos licor.

O primeiro teste feito foi visual e consistia em acompanhar uma imagem de cruz que, em momentos aleatórios, transmutava-se em um quadrado. Quando a transformação ocorresse, deveriam apertar um botão. Já no outro experimento, o botão deveria ser acionado ao ouvir um sinal sonoro. As avaliações foram feitas após uma noite bem dormida e, com cerca de 10 dias de intervalo, depois uma noite em claro passada no próprio centro de pesquisa.

Os resultados deixam claro que a privação de sono tem um impacto grande sobre a capacidade de atenção. Pacientes que não dormiram performaram muito pior em ambas as avaliações. Alguns nem mesmo notaram parte dos estímulos visuais e auditivos que receberam. Além disso, os pesquisadores observaram mudanças fisiológicas importantes nos lapsos de atenção.

Pedro Genta, médico do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP, afirma que a privação de sono força cada vez mais o cérebro a dormir. Segundo o especialista, a pressão por descanso na fisiologia do cérebro é muito grande e, quando o cenário se prolonga, o cérebro pode começar a adotar alguns comportamentos típicos do período de sono. “É como se tivéssemos micro-sonos sem notar ao longo do dia”, afirma.

A mais relevante das alterações observadas no novo estudo foi no comportamento do licor, que começa a fluir para fora do cérebro nos momentos de desatenção. A mudança também é acompanhada por menores taxas de respiração e batimentos cardíacos e contração das pupilas. Segundo os autores do trabalho, essa é uma evidência de que, com pouco sono, o cérebro tenta restaurar suas funções ao longo da vigília da maneira que for possível.

Especialistas alertam que a falta de sono adequado pode trazer consequências graves para a saúde. Entre elas, sonolência e desatenção que podem causar desde simples inconvenientes no dia seguinte até acidentes graves de trânsito. Além disso, dormir pouco também pode provocar alterações metabólicas, favorecer o adoecimento e reduzir a imunidade.

Entre as consequências mais importantes da falta de sono está a obesidade e os problemas de saúde metabólicos, como a diabetes. Em um estudo conduzido na Grécia, cientistas entrevistaram mais de 2.000 estudantes de medicina e observaram que uma qualidade de sono baixa está associada com um risco aumento em 86% de obesidade e sobrepeso. Essa relação se dá porque sem dormir os mecanismos de fome e saciedade ficam mal regulados.

Por outro lado, os especialistas concordam que algumas mudanças de hábito podem ser suficientes para que muitas pessoas tenham noites mais agradáveis e energizantes. Essas práticas são conhecidas como higiene do sono, e incluem o estabelecimento de horários regulares de deitar e levantar da cama, a criação de um ambiente confortável -sem sons altos e com o mínimo de luz- e uma alimentação equilibrada e livre de estimulantes, como a cafeína, pela noite.

Além disso, a higiene do sono também receita o afastamento das telas por cerca de uma hora antes de ir para a cama. Um estudo publicado na revista científica Plos One avaliou por meio de questionário o sono de mais de 4.500 estudantes chineses. Além disso, os pesquisadores mensuraram a intensidade do uso de celular entre os discentes. Os resultados mostram que há um impacto negativo dos portáteis na capacidade desses jovens dormirem à noite.

Mas o mesmo estudo também mostrou que a prática de atividade física é capaz de mediar essa relação, reduzindo os efeitos nocivos dos smartphones no cotidiano das pessoas. De acordo com os resultados, a prática de exercícios é outra medida que pode ser adotada por quem busca uma melhoria na qualidade do descanso noturno, que ainda traz de bônus efeitos positivos em outras áreas da saúde.

Mas quando nada parece adiantar, especialistas alertam que algumas pessoas sofrem de distúrbios do sono que não podem ser resolvidos com simples mudanças de rotina. Nesses casos, é preciso consultar um médico que poderá dar início a um tratamento mais adequado da questão.