BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A crise de segurança pública no Rio de Janeiro decorrente da megaoperação contra a facção Comando Vermelho, na terça-feira (28), mobilizou integrantes do Palácio do Planalto e o próprio presidente Lula (PT), num movimento que tem como pano de fundo a disputa eleitoral do próximo ano.
De acordo com relatos de auxiliares, o presidente, desde que retornou de viagem da Ásia na noite de terça, tem dado prioridade ao assunto e cobrado celeridade de sua equipe para o envio ao Congresso Nacional do projeto de lei chamado de antifacção, que busca atualizar a Lei das Organizações Criminosas e outras normas. A expectativa é a de que o texto seja enviado ao Congresso nesta sexta (31).
Apesar de a segurança pública ser um tema de competência dos estados, há uma avaliação entre aliados do presidente de que essa crise poderá afetar a imagem da gestão petista, que vinha em uma espécie de maré positiva nas últimas semanas, com melhoria nos índices de aprovação do governo federal.
Além disso, o governo federal é alvo de críticas da oposição por não apresentar ações robustas para a área da segurança pública, tema que deverá ser prioritário na eleição de 2026. Interlocutores do presidente enxergam movimento eleitoreiro e oportunista de governadores da direita que usaram a megaoperação para atacar o Executivo.
A operação na terça deixou mais de cem mortos na cidade, tornando-se a mais letal da história do país, e gerou tensão entre o governo estadual e o Executivo numa disputa de narrativas acerca da ação e seus desdobramentos e troca de acusações e críticas de um lado ao outro.
O governador do Rio, Cláudio Castro (PL) acusou o governo federal de não oferecer apoio às ações policiais. Em resposta, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, rebateu as informações em uma entrevista coletiva e classificou a operação como “bastante cruenta”.
Depois, uma nota foi divulgada pelo Palácio do Planalto. No mesmo dia, Castro ligou para a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) para se retratar da declaração, dizendo que não tinha a intenção de atacar o governo federal
A operação foi deflagrada na manhã de terça, quando Lula ainda estava em voo retornando de viagem oficial ao continente asiático ele só soube do ocorrido ao pousar em Brasília, à noite. Na sua ausência, integrantes do Palácio se reuniram numa reunião de emergência para discutir os desdobramentos da ação.
Na quarta, havia uma expectativa que o presidente usasse a cerimônia de posse de Guilherme Boulos na Secretaria-Geral da Presidência para abordar o tema, o que não acabou ocorrendo. Na cerimônia, Boulos pediu um minuto de silêncio pelas vítimas.
No mesmo horário, no Rio, Lewandowski se reuniu com Castro para discutir desdobramentos da operação. Após troca de acusações, as duas autoridades anunciaram lado a lado a instalação de um escritório emergencial de enfrentamento ao crime organizado em território fluminense.
Somente a Polícia Rodoviária Federal já planeja um reforço operacional no Rio de Janeiro nesta quinta-feira (30) de 350 agentes.
Lula só quebrou o silêncio sobre o episódio na noite de quarta, numa publicação nas redes sociais e já num tom mais ameno, sem críticas diretas ao governo estadual.
“Me reuni hoje pela manhã com ministros do meu governo e determinei ao ministro da Justiça e ao diretor-geral da Polícia Federal que fossem ao Rio para encontro com o governador. Não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violência pelas cidades”, escreveu Lula.
Na publicação, o petista também falou em “trabalho coordenado” que atingisse a “espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco”.
Depois da cerimônia de posse, Lula convocou reunião com a participação de ministros de seu governo para destrinchar o projeto de lei antifacção e cobrar celeridade do envio ao Congresso Nacional preferencialmente ainda nesta semana.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública enviou no dia 22 deste mês ao Palácio do Planalto o projeto de lei, que institui o tipo penal de “organização criminosa qualificada”, com pena que pode chegar a 30 anos de prisão.
O texto, inicialmente chamado de Lei Antimáfia, também endurece a punição para líderes dessas organizações e institui o Banco Nacional de Organizações Criminosas, destinado a reunir informações estratégicas para facilitar a investigação e o rastreamento das facções.
De acordo com relatos de pessoas que acompanham as conversas, há um esforço coletivo para tentar cumprir esse pedido de Lula. Aliados, no entanto, admitem um cronograma apertado e falam que ainda há pontos da proposta que precisam ser mais analisados. O tema também foi pauta de outros despachos do presidente nesta quinta (30).
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou publicamente que assim que o texto chegar à Casa ele dará prioridade e pautará um requerimento de urgência do texto (que acelera a tramitação da proposta).
Uma das estratégias do Executivo com a deflagração da operação tem sido pressionar o Congresso Nacional a dar andamento em matérias para a área, a exemplo da PEC (proposta de emenda à Constituição) de Segurança Pública, que está em análise em comissão especial.
Em outra frente, a Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência divulgou peça publicitária criticando a operação, fazendo queixas indiretas ao governo estadual e defendendo a aprovação da PEC.
O vídeo diz que para atacar o crime é preciso mirar na cabeça, “mas não de pessoas”, e que o crime organizado é um dos maiores problemas do Brasil e “destrói famílias, oprime moradores e espalha drogas e violências nas cidades”.
A campanha também diz que matar criminosos não é a solução e defende que é preciso atacar o cérebro e o coração de grupos criminosos, citando como exemplo operação realizada em agosto pelo Ministério Público, com participação da Receita Federal, contra o PCC (Primeiro Comando da Capital) no setor de combustíveis e do mercado financeiro.
Além disso, o petista também sancionou projeto de lei que busca endurecer o combate ao crime organizado e que prevê pena de prisão para quem planeja ataque ou ameaça contra autoridades que combatem essas ações.
O projeto, de autoria do ex-ministro da Justiça e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR), foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 10 de outubro e aguardava sanção presidencial.
“O Governo do Brasil não tolera as organizações criminosas e atua para combatê-las com cada vez mais vigor”, escreveu Lula nesta quinta em seu perfil no X (antigo Twitter).






