SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Atenção: este texto pode apresentar conteúdo sensível para algumas pessoas traumatizadas na época da escola, e é recomendada cautela diante das equações, raízes quadradas e muita álgebra a seguir. É que falar de matemática de maneira explícita, se apropriando dela, é a única forma que faz sentido para o autor Marcelo Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e colunista da Folha de S.Paulo, que lança “A Descoberta dos Números – Uma Aventura Matemática” (Tinta-da-China Brasil, R$ 79,90, 176 páginas).
“O desafio foi contar essa aventura de forma acessível e interessante para todos, independentemente da sua relação com a disciplina. Sem esconder as ideias matemáticas para facilitar, pelo contrário, escrevendo sempre para qualquer pessoa que tenha curiosidade em conhecê-las melhor”, afirma Viana.
Em resumo, “A Descoberta dos Números” não pretende ensinar matemática a ninguém provavelmente, também não é terapêutico o suficiente para tirar o medo de quem já se relacionou mal com os cálculos no passado. Mas sua proposta bem executada de tratar da história dos números com naturalidade e leveza talvez consiga deixar mais à vontade o assim chamado “pessoal de humanas”.
A obra abre com o mito do rei Minos, presenteado pelo deus dos mares Posêidon com um touro branco, que deveria ser sacrificado em homenagem à divindade. Como a exigência não é atendida, Afrodite, deusa do amor e aliada de Posêidon, faz a rainha se apaixonar pelo animal. Da união inesperada nasce Minotauro, monstro com corpo humano e cabeça de touro, condenado pelo rei a viver preso em um labirinto eternamente.
Viana é um contador de histórias. Há alguns anos, vem mostrando em textos que a relação com a matemática não deveria ser chata nem assustadora. O Impa, que ele dirige, é parceiro da Folhinha com desafios semanais de lógica. Antes do novo livro, o autor fez algo parecido em “Histórias da Matemática: Da Contagem nos Dedos à Inteligência Artificial”, publicado em 2024 pela mesma editora.
A ideia para “A Descoberta dos Números” surgiu depois de uma palestra proferida a convite da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação vinculada ao MEC (Ministério da Educação) que atua no âmbito da pós-graduação e na formação de professores da educação básica. Viana conta que, na ocasião, percebeu que o conteúdo se encaixaria bem em uma publicação definitiva. Conversando com amigos durante o processo de transcrição, teve ideias para acréscimos.
Foi o caso do capítulo dedicado à razão áurea, por exemplo. Nele, aprendemos que o livro “Divina Proportione”, de Luca Pacioli com ilustrações de Leonardo da Vinci, e publicado em 1509, teria ajudado a se formar no imaginário popular a ideia de que o conceito seria uma espécie de chave para a beleza na arte. A realidade, no entanto, é um tanto diferente.
“Na verdade, Pacioli nunca afirmou tal coisa: pelo contrário, ele manifestou sua admiração pela estética da famosa imagem do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, que é baseada em proporções simples dadas por números racionais. Mesmo assim, a ideia pegou e, até hoje, a razão áurea inspira a produção de importantes artistas”, escreve Viana.
O capítulo dedicado ao número zero é um dos melhores. Embora sua descoberta seja antiga, afirma o autor, durante muito tempo o zero não foi considerado um número ”afinal, quem precisa de um número para contar ou medir coisa nenhuma?!”. Enquanto os sistemas de numeração tinham dígitos para representar de que forma cada posição era ocupada, quando ela estava vazia o dilema surgia: como representar isso graficamente?
Inicialmente, ignorar era a solução perfeita. Só os valores das posições que não estavam vazias eram registrados. Mas, como fazer para diferenciar um número como 153, por exemplo, de 1.053 ou 1.503? “Tornou‑se necessário introduzir uma marca especial, um símbolo gráfico específico para identificar as posições vazias. Assim surgiu o zero”, explica.
Entre os outros temas abordados estão a aplicação e a descoberta da geometria, a partir das cheias dos rios na Mesopotâmia; os números primos, que compõem um dos melhores trechos do livro; os números racionais, que “não são nem mais nem menos ajuizados do que os números irracionais”; as frações e suas abordagens entre os gregos e os egípcios; e π (pi), um dos números mais célebres da história, batizado com a primeira letra da palavra “perímetro em grego”.
A obra mostra que o que faz os números serem números não são seus símbolos, com que nos acostumamos a associá-los, mas sim sua capacidade de produzir novos números por meio das operações matemáticas, ou seja, adição, subtração, multiplicação, divisão, potenciação e radiciação (extração de raízes). Viana fala deste e de outros temas sempre de maneira apaixonada ”Eis um dos meus exemplos favoritos”, usa para introduzir um deles.
Segundo o autor, há o desejo de seguir com publicações como esta para popularizar a matemática, mas por ora não se tem nenhum plano concreto. “Uma ideia natural é fazer uma nova coletânea das colunas na Folha de S.Paulo, e também estou cogitando escrever uma espécie de manifesto, em defesa da importância fundamental da matemática para a cidadania, o conhecimento, o desenvolvimento e a própria soberania. Falta saber se serei capaz (risos).”
A DESCOBERTA DOS NÚMEROS – UMA AVENTURA MATEMÁTICA
– Preço R$ 79,90 (176 págs.)
– Autoria Marcelo Viana
– Editora Tinta-da-China Brasil




