SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) lançou o CriptoJud, um sistema que vai agilizar e centralizar o cumprimento de ordens judiciais relacionadas à busca e localização de criptoativos de devedores, facilitando a penhora.

Ele permite o envio automatizado de ofício às corretoras de criptomoedas autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Ao substituir comunicações manuais e fragmentadas, ele deve aumentar a efetividade das decisões judiciais e a capacidade do Judiciário de agir com rapidez e precisão neste mercado, segundo o CNJ.

Criptoativos são bens que só existem na internet e são protegidos por códigos de segurança. O mais conhecido é a criptomoeda, como o bitcoin, que funciona como um tipo de dinheiro digital. Mas há também tokens usados em jogos e plataformas online. Esses ativos não passam por bancos ou governos, como o real ou o dólar, e podem ser usados para investir, guardar dinheiro ou fazer pagamentos.

O Criptojud, apresentado em agosto pelo então presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, foi criado para tornar mais ágil e segura a comunicação entre o Judiciário e o setor, e é resultado de uma parceria com a Abcripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia).

“É um sistema web onde o Poder Judiciário coloca a ordem e a empresa do outro lado abre o sistema e recebe”, diz Bernardo Srur, diretor presidente da Abcripto.

A funcionalidade será integrada à PDPJBr (Plataforma Digital do Poder Judiciário) e deverá ser adotada pelos tribunais de todo o país via Portal Jus.br, após fase de testes.

O presidente da Abcripto diz que o lançamento feito em agosto foi para anunciar que o sistema está pronto para os testes.

“Teremos 40 dias de teste envolvendo dois tribunais e cinco empresas para depois coletarmos informações e, após, lançar o sistema para todos”, explica Srur, que diz ainda não ter data definida para o início do processo.

Ele afirma que o CriptoJud nasceu de uma fragilidade do mercado de criptomoedas: não ter um sistema como o Sisbajud, que concentra as ordens judiciais do mercado financeiro tradicional.

“No mercado cripto tudo é enviado por email, por meio físico ou presencial. Isso acarreta uma perda de informação no meio do caminho, pois as vezes o email não chega ou demora de ser respondido, por exemplo. Agora o CriptoJud será um canal onde essa ordem vai trafegar”, diz.

O diretor esclarece, no entanto, que a ferramenta não realiza rastreamento direto de ativos digitais nem promove bloqueios de valores automaticamente. Segundo ele, serão veiculadas apenas três tipos de ordem judicial: pedido de informação, ordem de bloqueio de saldo ou ordem de desbloqueio de saldo.

A adesão das empresas ao sistema será opcional, já que o CNJ não tem poder regulatório sobre o setor privado. No entanto, a expectativa da Abcripto é que a maioria das associadas participe em virtude da eficiência que a nova funcionalidade trará para os processos internos.

“Haverá eficiência tanto no recebimento da ordem, porque todas as informações já serão prontamente recebidas ali, como pelo fato de que vão precisar de menos pessoas trabalhando com isso, que podem ser alocadas em outras funções na empresa”, diz Srur.

Em fevereiro deste ano, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reconheceu que os criptoativos são bens de valor econômico e integram o patrimônio de um devedor, podendo ser, portanto, objeto de penhora.

Mariana Zonenschein, sócia fundadora do Zonenschein Advocacia, afirma que, em um momento em que se avolumam as notícias de empresas com dificuldades financeiras, o sistema é uma ferramenta que garante mais eficiência para que seja possível alcançar os bens do devedor. “O CriptoJud alia tecnologia à necessidade de eficiência na recuperação de crédito”, afirma.

Débora Chaves Fernandes e Henrique Araujo Gonzaga, advogados do escritório Machado Meyer, explicam que os devedores respondem por suas dívidas com todos os bens e direitos que integram seu patrimônio, salvo raras exceções garantidas por lei para assegurar o mínimo necessário para sobrevivência digna.

Para eles, a ferramenta também pode trazer efeitos práticos relevantes para os processos de execução de dívidas no Brasil. Isto porque o CriptoJud tende a diminuir tempo e custos da comunicação entre Judiciário e corretoras de criptomoedas no Brasil, que, até o momento, era realizada exclusivamente por meio de ofícios, tornando a comunicação lenta e incompatível com a agilidade das transações em meio digital.

Além disso, segundo os advogados, assim como ocorreu quando do lançamento de outras ferramentas digitais, como o próprio Sisbajud —sistema que conecta o Judiciário ao Banco Central e permite o bloqueio automático de valores em contas bancárias—, o CriptoJud tende a dificultar a ocultação do patrimônio do devedor em ativos digitais.

Eles ressaltam ainda que o devedor que atua para escapar da Justiça e de credores precisará empregar um esforço ainda maior para realizar o que se convencionou chamar “blindagem patrimonial”. Contudo, como a ferramenta ainda não atinge criptoativos em carteiras privadas ou em corretoras internacionais, pode ocorrer uma migração e maior utilização delas, especialmente pelos agentes de mercado mais experientes em transações com esse tipo de ativo.