SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O CV (Comando Vermelho) vive um momento de expansão, tanto na região metropolitana do Rio de Janeiro quanto em outros estados do Brasil, apesar de ser o alvo mais frequente de operações das polícias fluminenses. O diagnóstico é de especialistas que estudam a facção e o crime organizado no país.

Com 119 mortos confirmados, a Operação Contenção tinha o objetivo declarado de frear a expansão do grupo criminoso nos complexos do Alemão e da Penha, na zona oeste do Rio. Ela repete o padrão de centenas de outras ações policiais contra o grupo realizadas no período em que o CV mais cresceu, segundo pesquisadores.

A facção surgiu há mais de 40 anos no Instituto Penal Cândido Mendes, o presídio da Ilha Grande (RJ). Sua origem é atribuída à convivência de presos políticos com criminosos comuns na unidade, em especial assaltantes de bancos.

No grupo de fundadores estão nomes como Willians da Silva Lima, o Professor; José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha; Rogério Lemgruber, o Bagulhão; Paulo César Chaves, o PC, e Eucanã de Azevedo.

Com o lema “Paz, Justiça e Liberdade”, desde o início o grupo tinha como principais objetivos prevenir a prática de crimes entre os presos -como estupro e roubo-, reivindicar melhores condições dentro dos presídios e planejar fugas.

O relato é do próprio Professor, no livro “Quatrocentos contra Um”. Uma das primeiras ações do grupo foi a criação de um “caixa comum” para financiar operações de resgate dos presidiários. E uma das fugas mais notórias foi a de Escadinha, em 1985, quando um helicóptero pousou no pátio interno do presídio e o resgatou sem que houvesse reação policial.

A cocaína foi a responsável pela grande ampliação do poder do CV, na década de 1980, assim como o apoio mútuo durante conflitos com grupos criminosos rivais.

Os chefes de morros têm autonomia para administrar o tráfico local, mas não invadem comunidades dominadas por outros integrantes do CV e emprestam pessoas e armas durante conquistas ou retomadas de territórios “inimigos”.

As duas facções que fazem frente à facção no Rio, ADA (Amigos dos Amigos) e TCP (Terceiro Comando Puro), tiveram origem em dissidências do CV.

O Terceiro Comando foi fundado na década de 1990 por traficantes como Darcy Silva Filho, o Cy de Acari, e Romildo Souza da Costa, o Miltinho do Dendê. Eles se opunham à ascensão de novos líderes –como Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP– que desrespeitavam regras estabelecidas do CV, praticando atos de violência extrema nas comunidades, consumindo drogas e se recusando a ajudar famílias de comparsas presos. De uma nova dissidência nasceu o atual TCP.

Em outra desavença interna no CV, uma emboscada levou à morte de Orlando da Conceição, o Orlando Jogador, líder respeitado na facção por seu papel em vários confrontos armados nos morros cariocas. Responsável peloa assassinato, Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, foi expulso da facção e criou a ADA (Amigo dos Amigos).

Três especialistas ouvidos pela Folha disseram que percebem o Comando Vermelho como um alvo mais frequente das operações policiais no Rio de Janeiro, em comparação com as duas outras facções.

O CV também é conhecido por enfrentar a polícia de forma mais violenta e repudiar colaboração com autoridades.

“Sempre houve muitos relatos, por exemplo, de que a ADA acabava compondo com os policiais, que o nível de confronto era bem menor, que tinham muitos acordos. Em menor medida também o Terceiro Comando”, relata o sociólogo Ignacio Cano, professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e membro do Laboratório de Análise da Violência.

As denúncias desse conluio foram registradas ao longo dos anos no noticiário. Em 2001, 500 policiais militares foram afastados pelo governo estadual sob acusação de receber dinheiro do traficante Celsinho da Vila Vintém, líder da ADA.

No ano seguinte, o governo fluminense determinou o afastamento de um comandante de batalhão da PM pelo mesmo motivo. Casos de fugas de integrantes da facção também foram denunciadas e geraram prisões de PMs à época.

“O Comando Vermelho era visto sempre como um inimigo frontal e principal”, diz Cano. “A operação se chama Contenção com a justificativa conter o CV, mas tudo indica que isso aqui não vai conter grande coisa.”

Segundo Daniel Hirata, do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), as pesquisas mais recentes sobre o domínio territotiral de facções na região metropolitana do Rio mostram uma expansão expressiva do CV nos últimos três anos. Isso ocorreu, segundo ele, pelo método da conquista de territórios já dominados por outras facções e milícias.

Quem pesquisa a dinâmica das facções criminosas em outras regiões do Brasil também aponta para o crescimento do CV no território nacional desde o início da década, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste.

É a facção carioca que domina o comércio varejista de drogas na maior parte dos municípios do Amazonas, por exemplo. Além disso, está entre os principais grupos que coordena a logística do tráfico que atravessa a fronteira de Peru e Colômbia com o Brasil e chega até os portos de Manaus (AM) e Belém (PA), com destino à Europa.

“Na Amazônia, há indícios fortes de que eles estão entrando em território colombiano e se aliando com grupo locais [dissidentes das Farc]”, escreveu o coronel da reserva e pesquisador César Mello, secretário-adjunto de Inteligência do Amazonas, em referência às antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Para o pesquisador Aiala Couto, da Universidade do Estado do Pará e do Instituto Mãe Crioula, o CV já tem características de um cartel de drogas transnacional. “Essa nova realidade é caracterizada pelo controle de rotas vitais do comércio internacional de cocaína e pela diversificação dos negócios ilícitos”, ele disse. “Esse fenômeno se deu por meio do sistema prisional, onde ocorrem alianças e fusões de grupos.”

Em geral, quem estuda o crescimento da facção ao longo das décadas se demonstra cético da efetividade de operações altamente letais como a que deixou mais de cem mortos nesta semana. Todos pedem mais planejamento nas incursões e foco na asifixia financeira do crime.

O modelo considerado o mais próximo de algo bem-sucedido é o das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que era baseado em incursões em áreas menores e a aliança da polícia comunitária com outras áreas do setor público, principalmente educação e saúde.

“Não é a primeira ação que a gente vê produzindo uma alta letalidade no complexo do Alemão”, diz o pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Leonardo Silva, que também foi coordenador no Instituto de Segurança Pública fluminense. “Será que não aprendemos nada?”