BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (29) o projeto sobre atualização de preços de imóveis que continha também medidas de corte de gastos previstas na MP (medida provisória) do aumento de impostos, que foi derrubada pela Casa no último dia 8. Agora, o texto segue de volta para o Senado, já que foi modificado.

A aprovação, por 286 votos a 146, foi uma vitória do governo Lula (PT), que contava com a retomada de parte do texto da MP para evitar um rombo no Orçamento. Os partidos que se declararam contra o projeto foram PL, PSOL e Novo, argumentando que as medidas fiscais representavam um jabuti no projeto original.

O projeto cria o Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial (Rearp), que permite que bens móveis e imóveis tenham seu valor atualizado no Imposto de Renda com o pagamento de um percentual menor de tributo sobre o ganho de capital. O mesmo vale para regularização de bens e direitos não declarados ou declarados incorretamente.

Para a atualização patrimonial, a alíquota é de 3% sobre o ganho de capital para pessoas físicas. Já para a regularização, a alíquota é de 15% mais multa de 15% sobre o imposto apurado. Os valores podem ser parcelados em 24 meses, com parcelas sujeitas à taxa Selic. O prazo de adesão ao Rearp é de 90 dias.

O relator da proposta, Juscelino Filho (União Brasil-MA), havia incluído no texto, à revelia do governo, mudanças no saque-aniversário do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), mas voltou atrás, o que destravou a aprovação.

Deputados da base dizem que o Planalto não concordava com esse ponto e trabalhava para derrubá-lo. O texto acabava com as recentes limitações impostas pelo governo Lula à antecipação do saque-aniversário, conforme regras aprovadas pelo Conselho Curador do FGTS neste mês, e transferia para o Congresso competências a respeito da matéria. O conselho é presidido pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT).

Nos bastidores, deputados governistas diziam que a iniciativa de Juscelino devia ter apoio do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que foi relator do projeto que criou o saque-aniversário.

Motta também trabalhava para fazer avançar esse projeto de atualização de imóveis, que estava parado na Câmara, e, por isso, sugeriu ao governo que o utilizasse como veículo da retomada da MP. Para o Ministério da Fazenda, a inclusão de partes da MP em outra matéria já pronta para votação no plenário era uma forma de acelerar a aprovação.

O deputado Gilson Marques (Novo-SC) chamou a retomada da MP de artimanha. “Eles colocam no projeto uma MP que foi recusada por esta Casa, uma boa parte dela, junto, embutido, como carona. Eu fico sem saber, inclusive, como me posicionar, porque a metade do projeto é bom.”

O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que trata-se de “chicana legislativa” e que só votaria a favor quem quisesse dar “mais uns R$ 20 bilhões” para o governo Lula.

Em resposta, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), argumentou que o projeto corta despesas. “Estamos falando de R$ 25 bilhões, sem isso não existe Orçamento no próximo ano.”

No plenário, Juscelino afirmou que o projeto “faz justiça tributária e corrige distorções” e defendeu a inclusão das medidas de contenção de gastos da MP, dizendo que elas são necessárias para manter projetos como Pé-de-Meia.

O PSOL se opôs por causa do programa, já que o projeto inclui a despesa com o Pé-de-Meia entre aquelas que ajudam a cumprir o piso constitucional de educação. A estimativa dos técnicos é que só essa mudança representará uma economia de R$ 8 bilhões no ano que vem em recursos na área.

Outros deputados votaram contra o aperto nas regras do seguro-defeso (benefício pago a pescadores artesanais no período em que a pesca é proibida) -parte delas acabou derrubada na votação.

Em relação ao Rearp, o relatório diz que ele “permitirá que o valor do bem seja atualizado, fazendo com que a base de cálculo do imposto se aproxime da realidade econômica”. “Isso torna o sistema mais justo, pois diferencia o que é valorização real do ativo do que é mera reposição inflacionária, aliviando uma carga tributária considerada por muitos como confiscatória e desproporcional”, completa.

Uma das preocupações do governo é o fato de que o Rearp, apesar de permitir uma coleta maior de impostos no curto prazo, compromete as receitas da União no longo prazo. “A medida tem potencial, embora limitada, de fomentar a arrecadação tributária de forma voluntária”, diz o parecer.

Com isso, a pasta pretende ajustar as contas e viabilizar a votação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) do próximo ano.

Como mostrou a Folha, a derrubada da MP pela Câmara deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo um corte de ao menos R$ 7 bilhões em emendas parlamentares, e obrigar um ajuste de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026, ano eleitoral.

Diante disso, integrantes do governo passaram a discutir alternativas e resolveram fatiar as medidas previstas originalmente na MP. O texto de Juscelino Filho abrigou apenas pontos considerados consensuais. Outras iniciativas que enfrentam resistência, como a taxação de bets, devem ficar para depois.

As medidas de contenção de despesas têm impacto estimado em R$ 15 bilhões, e o limite mais rigoroso para uso de créditos tributários na compensação de impostos a pagar pode ampliar a arrecadação em R$ 10 bilhões no ano que vem.

Em relação ao seguro-defeso, o projeto lista novas exigências para os beneficiários, como biometria, mas o plenário derrubou parte das limitações, como limitar o pagamento à verba prevista na Lei Orçamentária.

Também foram previstas no texto mudanças no Atestmed (sistema online para concessão de auxílio-doença do INSS sem precisar de perícia presencial) e a fixação de um limite no Orçamento para pagar compensações previdenciárias a regimes próprios de estados e municípios.

O texto traz ainda um endurecimento das regras de compensações tributárias de PIS/Cofins para evitar abatimentos indevidos.

Inicialmente, as medidas fiscais haviam sido incluídas no projeto que trata de falsificação de bebidas, que foi aprovado nesta terça (28), mas o governo mudou a estratégia, argumentando que a proposta relatada por Juscelino tinha mais pertinência temática.