BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um impasse no Senado Federal tem atrasado a aprovação do pacote de medidas do governo federal para ajudar empresas atingidas pelo tarifaço de Donald Trump: a oposição defende incluir os gastos com o socorro dentro dos limites fiscais, o que, na visão do governo, inviabiliza a proposta.

Governistas argumentam que o tarifaço imposto pelo presidente dos EUA não foi algo previsto, e, por isso, também deve ser tratado como uma excepcionalidade no orçamento, fora do arcabouço fiscal -regra que impõe um limite de gastos anual para o governo, atrelado ao crescimento das receitas e à inflação.

As medidas de ajuda aos setores afetados foram apresentadas dentro do PLP (Projeto de Lei Complementar) 168/2025 e da MP (medida provisória) 1.309. Os dois textos são considerados a principal reação interna do governo Lula ao tarifaço, batizada como Plano Brasil Soberano.

O projeto foi protocolado em 13 de agosto e autoriza o aporte de R$ 2 bilhões no FGI (Fundo Garantidor de Investimentos), para usar como lastro em operações de crédito de pequenas e médias empresas. O valor atenderia exportadores com baixa capacidade de oferecer ativos próprios em garantia a empréstimos.

O texto principal do projeto chegou a ser aprovado em 24 de setembro, mas a oposição apresentou dois destaques (pedidos de alteração do texto que são votados de forma separada). Esses requerimentos para alterar a proposta ainda não foram analisados pelo plenário do Senado.

Os dois destaques são de senadores da oposição. O mais problemático, na visão do governo, é o do líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ), que tenta suprimir o artigo que exclui os recursos do plano da meta de resultado primário e dos limites de despesa do arcabouço fiscal. A reportagem procurou Portinho, mas não teve resposta.

No total, foram R$ 30 bilhões em empréstimos e renúncias fiscais previstos pelo governo para tentar reduzir o impacto econômico das tarifas sobre produtos brasileiros.

O líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), afirmou à reportagem que o objetivo é “apenas colocar este pacote de ajuda dentro dos parâmetros fiscais que foram votados pelo próprio governo”.

“Tudo para este governo é exceção. Semana passada votamos R$ 5 bilhões para as Forças Armadas fora do arcabouço. Se eu for citar tudo aqui, temos um livro”, disse ele, indicando que não haverá recuo. “Não podemos naturalizar que as exceções estão virando regra”, protestou Marinho.

O destaques foram colocados para votação no plenário do Senado na semana passada, mas, com registro de quórum baixo para deliberação, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil), retirou o assunto da pauta.

O governo precisa de pelo menos 41 votos, maioria absoluta entre 81 senadores, para manter a flexibilização das regras fiscais para o Plano Brasil Soberano.

A votação deve ocorrer somente de forma presencial no plenário, sem uso de sistema remoto –nesta semana, no entanto, Alcolumbre marcou apenas sessões semipresenciais, com possibilidade de voto à distância. A expectativa é que o governo aguarde um momento de plenário cheio para tentar derrotar o destaque.

Autor do PLP, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), acha improvável que a votação aconteça nesta semana, mas não desistiu de colocar o assunto em pauta e disse que tem conversado com senadores da oposição.

A reportagem apurou que a oposição está dividida sobre o tema. A pressão dos exportadores é forte e senadores da bancada de oposição temem ficar com a pecha de quem negou uma boia de salvação a empresários em um momento de dificuldade.

Governistas acrescentam que um possível acordo entre o presidente Lula e Trump deixaria toda a agenda negativa do tarifaço no colo da oposição.

“A oposição quer então que eu não dê o socorro? Ou quer que eu dê o socorro, bote na minha conta fiscal, e aí me chama de gastador?”, criticou Jaques.

A demora na análise do PLP acabou emperrando a medida provisória com as ações para os exportadores. O relatório ainda não foi apresentado pelo senador Fernando Farias (MDB). O documento precisa ser votado até 11 de dezembro por uma comissão do Congresso e pelos plenários da Câmara e do Senado.

No entendimento dos técnicos envolvidos na tramitação, o ideal seria resolver o impasse sobre a questão fiscal no PLP antes da votar a medida provisória.

Governistas também entendem que a quantidade de emendas apresentadas à MP atrapalha o andamento. Foram protocoladas 365 emendas, a maioria da oposição.

O senador Flávio Bolsonaro (PL) apresentou nove emendas, parte delas para limitar a duração dos benefícios. “Embora o texto original preveja um limite temporal de 180 dias, ele não prevê um mecanismo de extinção antecipada da medida, caso o cenário internacional se normalize antes desse prazo”, justificou Flávio em uma das emendas.

Impor uma duração máxima, afirma o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é importante para evitar uso político do socorro aos empresários. “A cláusula de interrupção ora proposta é fundamental para garantir que a medida não ultrapasse sua finalidade emergencial, impedindo o uso político ou oportunista do regime de dispensa, e preservando o princípio da razoabilidade administrativa”, continuou ele.

Farias ainda não informou sobre a data de apresentação do relatório e quais emendas serão incluídas em sua proposta.

ENTENDA O PLANO DO BRASIL CONTRA O TARIFAÇO DOS EUA

EIXO 1 – FORTALECIMENTO DO SETOR PRODUTIVO

**Linha de crédito de R$ 30 bilhões**

Segundo o governo, os valores serão emprestados a taxas acessíveis, com prioridade para os mais afetados e as empresas de menor porte. O acesso à linha de crédito está condicionado à manutenção de emprego.

**Fundos garantidores**

Pequenas e médias empresas poderão recorrer a fundos garantidores para acessar o crédito. Haverá aportes de R$ 1,5 bilhão no FGCE (Fundo Garantidor do Comércio Exterior), R$ 2 bilhões no FGI (Fundo Garantidor para Investimentos) e R$ 1 bilhão no FGO (Fundo de Garantia de Operações).

**Modernização do sistema de exportação**

Instrumentos que protegem o exportador contra riscos como inadimplência ou cancelamento de contratos. Bancos e seguradoras poderão usar essa garantia em mais tipos de operações. Haverá ainda mecanismos de compartilhamento de risco entre governo e setor privado.

**Diferimento de tributos federais**

Empresas afetadas poderão adiar o pagamento de tributos federais nos próximos dois meses.

**Reintegra**

Grandes e médias empresas passam a contar com até 3,1% de ressarcimento, e as micro e pequenas, com até 6%. As novas condições do Reintegra valerão até dezembro de 2026 e terão impacto de até R$ 5 bilhões.

**Regime de drawback**

Prorroga, por um ano, o prazo para que as empresas consigam exportar suas mercadorias que tiveram insumos beneficiados pelo regime, que desonera a compra de insumos para exportação. A medida vale para as empresas que contrataram exportações para os Estados Unidos que seriam realizadas até o final deste ano.

**Compras governamentais**

União, estados e municípios poderão, por 180 dias, fazer compras para seus programas de alimentação (merenda escolar ou hospitais, por exemplo). A medida vale apenas para produtos afetados pelas sobretaxas unilaterais.

EIXO 2 – PROTEÇÃO DE TRABALHAODRES BRASILEIROS

**Contrapartida de manutenção de empregos**

O acesso às linhas de crédito estará condicionado à manutenção de empregos.

**Instauração da Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego**

O objetivo é monitorar o nível de emprego nas empresas e suas cadeias produtivas, fiscalizar obrigações, benefícios e acordos trabalhistas, e propor ações voltadas à preservação e manutenção dos postos de trabalho

EIXO 3 – DIPLOMACIA COMERCIAL E MULTILATERALISMO

Prevê a abertura de novos mercados, a continuidade das negociações com governo dos EUA, além da atuação do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio)