BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Fiocruz recebeu aval do TCU (Tribunal de Contas da União) para romper o contrato de construção da sua nova fábrica, que é uma das apostas do SUS para turbinar a produção de vacinas, mas acumula atrasos e contestações sobre o modelo de financiamento da construção.

O acordo costurado pelo tribunal estabelece que a fundação pague mais de R$ 16 milhões como compensação ao consórcio privado que assinou contrato em 2022. A Fiocruz ainda deve assumir dívida de R$ 7 milhões por serviços de modelagem do projeto.

Segundo documentos incluídos no processo do TCU, o plano da Fiocruz é lançar em 2026 novo edital, desta vez para uma parceria público-privada, para retomar a construção do laboratório que prevê quadruplicar a capacidade de produção de vacinas e biofármacos do órgão. A previsão é que a fase de construção do CIBS (Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde) dure mais dois anos.

Ao menos desde 2010 a Fiocruz estuda formas de construção do laboratório. Em agosto de 2022, o órgão assinou contrato com um consórcio construtor, mas a obra que tem estimativas de custar entre R$ 6 bilhões e R$ 9,7 bilhões está praticamente na estaca zero. Isso porque o parceiro privado não conseguiu levantar os recursos necessários para iniciar a construção.

No fim de 2024, o Ministério da Saúde acionou o TCU para chegar a uma “solução consensual” sobre o modelo de financiamento. A tentativa de acordo foi feita após a área técnica da corte propor barrar o plano da Fiocruz de aplicar recursos próprios como forma de contornar a falta da verba mínima necessária para começar a erguer o complexo.

Na discussão com o tribunal, a Fiocruz afirmou que a atual fábrica de Bio-Manguinhos atingiu o “seu limite operacional e de atendimento às demandas regulatórias”. Ainda citou risco de desabastecimento de vacina. “Essa situação reconhecidamente grave motiva a conjugação de esforços para início das obras da fábrica.”

O acordo foi aprovado pelos ministros do TCU nesta quarta-feira (29). A fundação pagará cerca de R$ 10,8 milhões, além de US$ 1 milhão (com cotação definida na data de assinatura do distrato) como compensação ao consórcio. O valor foi definido pela diferença entre os gastos da fundação e do parceiro privado dentro do contrato.

O consórcio também deve se comprometer a não acionar a Justiça contra a Fiocruz, além de repassar ao órgão público os relatórios e estudos já realizados sobre a obra. A Fiocruz ainda assumirá uma dívida de cerca de R$ 7 milhões do consócio com a FGV por estudos realizados para a obra.

Em nota, a Fiocruz disse que a decisão do tribunal permite a ampliação da capacidade produtiva de vacinas, biofármacos e outros insumos estratégicos, “indispensáveis para a soberania do país e atendimento às demandas da saúde nacional e global”.

A discussão no TCU foi marcada por críticas à Fiocruz e ao consórcio privado envolvido na obra. A área técnica afirmou que a fundação aprovou diversos pedidos para postergar o começo dos serviços, em vez de ter encerrado o contrato logo nos primeiros sinais de atrasos.

Relator do processo, o ministro Benjamin Zymler disse que o consórcio agiu de forma antagônica, pois pediu a suspensão do contrato e, mais tarde, buscou também a indenização “dos prejuízos que teve em razão da suspensão que ele mesmo requereu”. Ele afirmou que o correto seria a Fiocruz rescindir unilateralmente o contrato, o que não foi feito.

Já o ministro Walton Alencar disse que o complexo foi um “grande arroubo” da Fiocruz e que não poderia dar certo pela falta de “experiência, capacidade, de visão de mundo empresarial de fazer funcionar as coisas” da fundação. Ele ainda citou que o órgão público fica localizado em local “absolutamente conflagrado” e perigoso, além de “difícil de realizar as operações mais básicas”.

Parte das instalações da Fiocruz estão próximas de Manguinhos, na zona norte do Rio, e têm frequentemente a rotina impactada por ações policiais. O novo complexo, porém, ficará a cerca de 65 km do centro da cidade do Rio de Janeiro, no distrito de Santa Cruz.