RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Ainda amanhecia quando o primeiro corpo foi colocado no asfalto da rua em frente à praça São Lucas, no Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, nesta quarta (29).

Mulheres, entre elas, mães, avós e filhas, se reuniam para reconhecer os corpos. A reportagem viu somente um homem entre os familiares presentes.

Tauã Brito, 36, estava há mais de 24 horas acordada, procurando pelo filho. Ele estava entre os corpos no chão.

“Já está cheio de mutuca na cabeça dele, quando vão retirar?”, reclamou, em relação às moscas que se aglomeravam.

No dia anterior, ela chegou a procurar pelo filho, Wellington Brito, 21, no Hospital Estadual Getúlio Vargas. Lá, orou ao ser informada que ele havia sido preso. Mas tratava-se de outro Wellington.

Seu filho estava com uma corda no pulso ao ser encontrado, o que, na visão dela, poderia indicar alguma irregularidade. “Acredito que tenha sido preso, se entregado e acabou morto”, disse.

O corpo do jovem era um dos cerca de 70 encontrados durante a madrugada e levados para a praça, onde ficaram enfileirados.

Eles foram localizados na mata entre os complexos do Alemão e da Penha, onde foi realizada a operação mais letal da história do estado, nesta terça (28).

Segundo a contagem oficial, ao todo foram 121 mortes, sendo 4 policiais.

Delegados ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmaram que suspeitavam dos corpos na mata, mas tiveram de sair do local ao escurecer. Ao saber que moradores retiravam os cadáveres de lá durante a madrugada, optaram por não realizar outra operação para evitar confrontos.

A principal queixa dos parentes é de que não houve socorro aos baleados -mesmo com a evidente gravidade da maioria dos ferimentos, com intestinos pendurados, fraturas expostas, e massa encefálica vazando.

“Não tira a roupa do meu marido, quero meu marido com a roupa dele”, disse uma mulher, com cerca de 20 anos de idade, sobre a roupa, com folhas artificiais coladas, para uso de camuflagem na mata.

Já de outros corpos, a roupa era cortada com tesouras e estiletes com a justificativa de que seria mais fácil para os familiares reconhecerem pelas tatuagens e cicatrizes.

Alguns rostos estavam desfigurados, outros inchados.

A polícia disse que uma investigação foi iniciada por possível fraude processual.

Dois corpos estavam sem as cabeças, que foram colocadas em sacolas.

Dois moradores de rua foram chamados para a retirada dos corpos da caçamba de um veículo que subia até a região da serra da Misericórdia, mata onde ocorreram os confrontos, para levar cadáveres até a base do morro.

A advogada Flávia Fróes, que acompanhou a retirada dos corpos, afirmou que alguns deles têm marcas de tiros na nuca, facadas nas costas e ferimentos nas pernas.

Ela fotografou os corpos e acompanhou parentes ao IML (Instituto Médico Legal).

Segundo peritos, as marcas podem ser causadas por tiros de fuzil que cortam a pele, e somente o exame pericial poderá apontar a razão dos ferimentos.