SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ensinar sobre consentimento, acreditar no que as crianças dizem e estar atento a sinais são ações fundamentais para que pais contribuam para a prevenção da violência sexual infantil.
Orientações como essas, com dicas práticas, estão reunidas no Guia Saber Liberta, desenvolvido pelo Instituto Liberta, que nesta quarta-feira (29) reuniu comunicadoras e educadoras para discutir o tema.
O evento contou com relatos de vítimas de violência e se debruçou sobre o papel dos cuidadores e de pessoas de confiança na educação e no acolhimento das crianças.
“A gente vem conseguindo ajudar a fazer o Brasil falar sobre a violência sexual infantil, só que chegamos a muitos espaços em que as pessoas queriam falar e não sabiam como”, disse Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta.
O material contém temas divididos em três grupos etários -de 0 a 4 anos, de 5 a 7 e de 8 a 10-, oferece sugestões de como conduzir conversas em relação a cada tópico e, segundo Luciana, tem como objetivo ajudar meninas e meninos a crescerem mais protegidos de todas as violências, especialmente quando cometidas por familiares ou pessoas próximas.
Aos seis anos, a hoje escritora e fonoaudióloga Thaís Vilarinho sofreu um abuso do dono da casa de repouso onde morava sua bisavó. No mesmo dia, ela contou o episódio para a avó e para a mãe, que a acolheram.
“Isso me salvou de muitas formas. Em momento nenhum minha mãe duvidou de mim”, relatou. “Eu lembro nitidamente [da situação de abuso], mas tenho a sensação de que isso não se transformou em um trauma exatamente por causa do apoio da minha família.”
Desde pequena, Thaís ouviu dos pais que deveria recorrer a eles caso alguém tocasse suas partes íntimas. “Sou muito grata por isso. Eu me pergunto: se eu não tivesse sido orientada, aonde isso poderia chegar?”
Também convidada a compartilhar seu relato, a contorcionista Georgia Bergamim contou que sempre esteve cercada por muitos tios e tias. Ela sofreu abuso do padrasto dos 8 aos 11 anos. “Mas e se alguém ali estivesse atento às crianças ao seu redor?”, disse, durante sua fala.
A experiência de abuso vivida por ela foi tema do documentário “Apesar de”, lançado em 2024 e dirigido por Beatriz Prates.
Para Bibi Bailas, divulgadora científica, idealizadora de uma escola infantil, é fundamental explicar desde cedo o que são limites corporais (um dos temas abordados pelo guia).
“Oriento todos os professores e cuidadores a ensinarem, desde a primeira troca de fralda, que a gente vai tocar nas partes íntimas das crianças só para limpar ou dar banho e que a gente não pode pegar, apertar ou tocar [em outros contextos]. Ninguém pode fazer isso.”
Outra sugestão dada pela pesquisadora foi a de manter o diálogo aberto e pedir para as crianças mostrarem aos cuidadores como foi a interação com outras pessoas, seja uma troca de fralda, seja um abraço.
E ainda teve dica de comportamento para os adultos. “Se você vai abraçar uma criança, você tem que perguntar. Muitas vezes elas respondem que não. E está tudo certo. É um momento importante para ensinar consentimento.”
Também presente no debate e uma das responsáveis pela cartilha, a psicóloga e orientadora educacional Mariana Motta defendeu um alinhamento constante entre escolas e famílias. Ela coordena um programa de proteção infantil na Escola Americana de Campinas.
“Explico [aos pais] o que as crianças vão aprender, por que e como”, disse. “E elas amam aprender, conseguem se colocar. Depois das aulas, nós começamos a ver uma mudança interessante nos relacionamentos, com mais respeito à vontade e ao espaço do outro.”
Na visão da comunicadora Ana Paula Xongani, que mediou a discussão, conversar sobre violência é muito difícil, mas falar sobre prevenção e fortalecimento sempre aproxima as pessoas. “Prevenir a violência é uma saída importante para não precisar falar dela.”
Disponível gratuitamente, o guia do Instituto Liberta ainda reúne indicações de livros e filmes para ler e ver com as crianças. Segundo Cristina Cordeiro, pedagoga e diretora-adjunta da organização, em breve serão lançadas mais duas cartilhas, uma para crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos e outra voltada a professores.




