SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As Forças de Apoio Rápido do Sudão (RSF), uma milícia paramilitar em guerra com o governo do país, mataram cerca de 460 pacientes e acompanhantes em uma maternidade na cidade de Al-Fashir -recém-dominada por seus combatentes- e sequestraram profissionais de saúde do hospital na terça-feira (28), segundo a Rede de Médicos do Sudão, um grupo que monitora a guerra no território.

O secretário-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, afirmou que o órgão está “consternado e profundamente chocado” com os assassinatos no Hospital Maternidade Saudita da cidade, embora sem atribuir a autoria às RSF.

Segundo a Rede de Médicos, as RSF “mataram a sangue frio todos que encontraram”. Os relatos surgem dias depois de a milícia reivindicar o controle da região, no último domingo (26), e o Exército sudanês confirmar a tomada de Al-Fashir, ao norte do estado de Darfur.

Ainda nesta quarta (29), o chefe dos paramilitares, general Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido como Hemeti, publicou um pronunciamento em que celebra a conquista da cidade e promete alcançar a união do país. “A libertação de Al-Fashir é uma oportunidade para a unidade sudanesa, e nós dizemos: unidade sudanesa pela paz ou pela guerra”, declarou Dagalo, que se autoproclamou presidente de um governo paralelo em abril deste ano, quando completaram-se dois anos de guerra no país.

Desde abril de 2023, e antes deste último ataque, a OMS afirmou ter verificado ao menos 185 ataques diretos a serviços de saúde em todo o país, com 1.204 mortes e 416 feridos. Segundo o órgão, 49 destas operações ocorreram somente neste ano, matando 966 pessoas. Estudos estimam que, em todo o conflito, um número entre 150 mil e 400 mil pessoas já morreram.

O chefe do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Volker Türk, declarou que a cidade está sob risco crescente de “violações e atrocidades motivadas por questões étnicas”. Já a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, acusou as RSF de “brutalidade” e afirmou haver evidências de “civis sendo alvejados por conta de sua etnia”.

No pronunciamento, Dagalo não se referiu a nenhum dos ataques a unidades de saúde, porém reconheceu a possibilidade de terem havido abusos de força e lamentou “profundamente o desastre que assolou os habitantes de Al-Fashir” durante os 18 meses de cerco. “A guerra nos foi imposta”, acrescentou.

Segundo ele, investigadores chegaram à cidade para periciar a situação do local. “Nós defendemos a lei e exigimos que todos os que cometeram erros sejam responsabilizados”, disse, ao insistir que suas forças são compostas por “pessoas pacíficas”.

O Laboratório de Pesquisa Humanitária da Universidade de Yale, que tem monitorado a região a partir de satélites, afirmou que as imagens obtidas “mostram pelo menos quatro novos aglomerados de objetos de cor clara [que anteriormente eles haviam dito que poderiam ser pessoas] que não eram visíveis em imagens anteriores” e que “medem aproximadamente entre 1,10 m e 1,90 m”. Os objetos aparecem junto de manchas avermelhadas no solo ao redor.

Segundo os relatórios do grupo, ainda há “evidências consistentes com assassinatos em massa” em um centro de detenção das RSF em um antigo hospital infantil, além de “assassinatos sistemáticos” contínuos nas barricadas originalmente instaladas pelo Exército sudanês para conter o avanço da milícia.

A diretora de análises do laboratório, Caitlin Howarth, disse não ser possível determinar um número exato de mortes na cidade. “Não estamos falando de números pequenos, estamos falando de dezenas, centenas, e podem ser milhares”, afirmou.

O general Abdel Fattah al-Burhan, chefe do Exército e líder de fato do país desde 2021, já havia acusado as RSF de uma matança sistemática, e disse em pronunciamento que a retirada de suas forças de Al-Fashir teve como objetivo “poupar os cidadãos e o restante da cidade da destruição”.

Desde domingo, quando a invasão foi concluída, mais de 33 mil pessoas fugiram da cidade em direção à vizinha Tawila, a cerca de 70 km dali, segundo a ONU. A chefe do escritório do Acnur, agência da ONU para refugiados) em Porto Sudão, disse que esses civis deslocados foram recepcionados por agentes do órgão após terem passado por graves violações, que vão de violência sexual a extorsão e prisões arbitrárias.

Dagalo não responde diretamente a estas acusações, mas afirmou que “o povo saiu às ruas para comemorar” a tomada de Al-Fashir. Segundo ela, essa suposta movimentação seria uma chancela às RSF. “Não estamos felizes em lutar, apesar de haver membros do Estado Islâmico, alguns deles sendo pessoas do nosso próprio povo enganadas pelo movimento islâmico, que lutam contra nós”, afirmou.

O general faz referência às batalhas em Bara, cidade em Kordofan do Norte, para onde analistas apontam que as RSF devem avançar. Na região, que é rica em petróleo, o Exército sudanês, sob Burhan, tenta manter rotas estratégicas para manter o controle sobre o restante do país.