BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Senado da França aprovou nesta quarta-feira (29) a inclusão do consentimento livre na definição penal de estupro, o que aproxima a lei francesa de outros países europeus que fizeram movimentos semelhantes recentemente, como a Espanha. O novo texto do código penal passa a valer após a sanção do presidente Emmanuel Macron, que deve ocorrer nos próximos dias.
A mudança ocorre na esteira da condenação de 51 homens pelo estupro de Gisèle Pelicot, abusada após ser drogada pelo então marido, que convidava os estupradores e filmou os crimes. Ele está entre os condenados e pegou 20 anos de prisão.
O consentimento, segundo o novo texto da lei, será definido como “livre e esclarecido, específico, prévio e revogável”. “[O consentimento] é apreciado em vista das circunstâncias. Não pode ser deduzido apenas do silêncio ou da mera ausência de reação da vítima. Não há consentimento se o ato de natureza sexual é cometido com violência, coerção, ameaça ou surpresa, independentemente da natureza destes”, determina a mudança na legislação.
A ausência da definição de consentimento na lei anterior criava uma espécie de zona cinzenta na lei: promotores precisavam provar a intenção de cometer o estupro para conseguir uma condenação, o que dificultava a punição aos criminosos em alguns casos. O código penal, até aqui, definia o estupro apenas como um ato sexual de penetração ou oral cometido “com violência, coerção, ameaça ou surpresa”.
Foi justamente em razão dessa ausência na legislação que ao menos 35 dos 51 condenados no caso Pelicot se declararam inocente da acusação de haverem cometido estupro.
O argumento deles no tribunal foi de que acreditavam que Gisèle estava fingindo estar desacordada, em uma espécie de fetiche sexual do casal para o qual foram convidados pelo ex-marido da vítima todos, no entanto, foram considerados culpados pela Justiça.
Um deles, o único que recorreu da sentença, afirmou que “nunca teve a intenção” de estuprar Pelicot. Sua pena, no entanto, acabou aumentada de 9 para 10 anos de prisão.
Apesar da jurisprudência recente favorável às vítimas, a argumentação dos condenados trouxe à tona a ausência do consentimento explícito na lei. Novos debates levaram ao novo texto, que já havia sido aprovado pela Assembleia Nacional no último dia 23 por ampla maioria e apoio do governo parlamentares da ultradireita foram contrários ao novo texto na Assembleia; no Senado, houve 15 abstenções e 327 votos a favor.
“Os advogados terão agora que dissecar não mais a violência do culpado, mas os gestos, as palavras e o silêncio da pessoa que se declara vítima”, afirmou a deputada Sophie Blanc, do ultradireitista Reunião Nacional (RN), segundo o jornal Le Monde.
Entre as abstenções esteve a senadora socialista Laurence Rossignol. “A palavra ‘consentimento’ remete a uma visão arcaica da sexualidade em que as mulheres cedem ou se recusam. Consentir não é querer. Primeiro precisamos de recursos de investigação para processar estupradores. Portanto, não votei, ainda, a favor desse projeto”, escreveu ela no X.
As deputadas Marie-Charlotte Garin (Ecologistas) e Véronique Riotton (Renascimento, de centro, partido de Macron), comemoraram a “vitória histórica” em comunicado conjunto e ressaltaram que a luta contra a violência sexual continua.
“Os recursos do sistema de Justiça, apoio a organizações e às forças de segurança precisam ser fortalecidos. O apoio às vítimas precisa ser aprimorado. A educação sexual precisa ser efetivamente implementada”, disseram elas.
A mudança na lei aproxima a França de outros países europeus que tomaram decisões semelhantes recentemente.
A Espanha, por exemplo, aprovou em 2022 uma nova lei que tipificou o assédio de rua, categorizou como agravante a submissão química e declarou que ambas as partes em um ato sexual precisa ser demonstrada de forma livre, voluntária e clara para que a interação seja considerada lícita. A legislação ficou conhecida como “Só Sim é Sim”.
A comprovação de que haveria falta de consentimento passou a categorizar o delito, não sendo necessária, por exemplo, a demonstração de que a vítima fez uso da força para tentar se livrar do agressor.




