SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O mundo precisará encontrar formas de preencher uma lacuna de ao menos US$ 284 bilhões anuais (cerca de R$ 1,5 trilhão) em financiamento para adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento até 2035. O déficit pode alcançar US$ 339 bilhões (R$ 1,8 trilhão), se consideradas as necessidades econômicas para as nações atingirem suas metas junto ao Acordo de Paris.

As conclusões são de relatório do Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, divulgado nesta quarta-feira (29), a menos de duas semanas do início da COP30, a conferência climática da ONU que acontecerá de 10 a 21 de novembro em Belém.

O financiamento aos países em desenvolvimento para adaptação foi estimado em apenas US$ 26 bilhões em 2023, uma queda em relação a 2022, quando os repasses somaram US$ 28 bilhões. Os valores de 2024 e 2025 ainda não estão disponíveis.

A ONU calcula que essa demanda será de US$ 310 bilhões a US$ 365 bilhões anuais em 2035. Assim, o fluxo de recursos precisará aumentar em pelo menos 12 vezes.

A projeção é baseada em valores de 2023 e não leva em conta a inflação. Se calculada com uma taxa de 3% ao ano, a demanda seria de US$ 440 bilhões a US$ 520 bilhões. Os números representam um salto em relação à lacuna de financiamento para 2030, estimada de US$ 194 bilhões a US$ 366 bilhões.

“É evidente que os recursos financeiros necessários para permitir ações de adaptação nos países em desenvolvimento na escala exigida para enfrentar os crescentes desafios dos riscos climáticos atuais e futuros são lamentavelmente inadequados”, admite o Pnuma no documento.

O financiamento se tornou o principal entrave das cúpulas. Segundo a própria ONU, o acordo costurado na COP29 para mobilizar US$ 300 bilhões anuais será insuficiente para atender à necessidade de recursos para a adaptação —área que foca em preparar os territórios e torná-los mais resilientes aos eventos extremos.

“Os impactos climáticos estão se acelerando. No entanto, o financiamento para adaptação não está acompanhando o ritmo, deixando as pessoas mais vulneráveis do mundo expostas ao aumento do nível do mar, tempestades mortais e calor escaldante”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Em 2024, os governos do mundo todo gastaram cerca de US$ 7,4 bilhões por dia em despesas militares, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo.

Isso significa que a lacuna de financiamento para adaptação climática em 2035 equivale a no máximo 45 dias de gastos militares globais (se considerado o teto de US$ 339 milhões).

A ONU aponta que os países desenvolvidos, maiores responsáveis pelo aquecimento global, caminham para descumprir a promessa de mobilizar aproximadamente US$ 40 bilhões anuais para adaptação climática das nações menos desenvolvidas até 2025. O compromisso havia sido firmado em 2021, durante a COP26.

O Pnuma afirma que o setor privado destina atualmente US$ 5 bilhões ao ano para financiamento de adaptação, uma contribuição que poderia chegar a US$ 50 bilhões, segundo os cálculos da instituição.

A ONU reconhece que a mobilização de recursos precisa envolver fontes diversas, mas diz que o setor privado não será capaz de fechar a lacuna por conta própria.

“A maior parte da necessidade financeira para a adaptação precisa ser coberta pelo setor público”, disse Henry Neufeldt, editor científico do relatório lançado nesta quarta. “O setor privado pode entrar mesmo que os retornos não sejam tão bons, e o setor público, então, tira o risco dos investimentos para que eles possam se engajar na adaptação.”

O relatório diz que 172 países possuem alguma estratégia nacional relacionada a esta área, mas aponta que 36 deles consideram instrumentos desatualizados. De acordo com o Pnuma, isso precisa ser corrigido para evitar a má adaptação, ou seja, a implantação de medidas que agravam os impactos de eventos climáticos em vez de proteger as pessoas.

Os presidentes das COPs 29 e 30 apresentarão, nos próximos dias, um documento que indicará o “mapa do caminho” para aumentar o financiamento climático para US$ 1,3 trilhão, o valor mínimo exigido pelas nações mais vulneráveis.

O Pnuma afirma que o relatório pode mudar o jogo, desde que não envolva o endividamento dos países com empréstimos.

Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma, disse que as consequências de eventos extremos são globais, apesar dos efeitos iniciais se concentrarem em comunidades.

“À medida que as ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa continuam atrasadas, esses impactos só piorarão, prejudicando mais pessoas e causando danos econômicos significativos”, afirmou. “É, de certa forma, pagar agora ou pagar muito mais depois.”

A ONU alerta que as nações não podem deixar de investir na mitigação (corte de emissões), para evitar o agravamento das mudanças climáticas e o aumento incontrolável da lacuna de recursos para a adaptação.

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, destacou que a queda no financiamento para adaptação em 2023 ocorreu antes do início do governo Donald Trump nos Estados Unidos.

“O sinal vermelho já acendeu”, disse. “Se o dinheiro começou a secar ainda num contexto político favorável, o que vem pela frente deve preocupar todos. Belém precisa ser o ponto em que o mundo reage a esse alerta: é fundamental que se dê um sinal coletivo de que o financiamento vai subir, ou daremos marcha à ré.”

Um levantamento da Folha de S.Paulo com base em outro relatório recente da ONU apontou que apenas 15 países de economia menor precisam de US$ 406,4 bilhões (ou R$ 2,2 trilhões) para cobrir os custos necessários neste momento com adaptação à mudança climática. O cálculo é baseado nos planos relativos a essa área elaborados por cada nação.