SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Mercado Livre comunicou neste mês que vendedores que praticarem preços menos competitivos do que os oferecidos pelos próprios comerciantes em outros canais poderão ter a visibilidade de seus produtos reduzida, além de perder acesso a campanhas e investimentos em publicidade.
Em comunicado enviado por e-mail aos lojistas, a empresa dizia: “Para seguir com destaque e vender mais, é essencial garantir que seus preços no Mercado Livre estejam entre os mais atrativos do mercado.”
A medida gerou repercussão em grupos de vendedores, que consideram a política desvantajosa por levar em conta preços promocionais em outras plataformas e comparações com sites que cobram taxas menores, como Shopee e Amazon o que, segundo eles, permite que concorrentes pratiquem valores finais mais baixos devido aos custos operacionais reduzidos.
Na prática, se o Mercado Livre identificar produtos sendo vendidos a preços mais baixos em outras plataformas pelo mesmo vendedor, enviará uma notificação automática para que os valores sejam ajustados em até cinco dias úteis. Segundo a empresa, a revisão é opcional e pode ser feita antes que o sistema aplique qualquer redução temporária na visibilidade dos anúncios.
Caso o vendedor opte por ajustar o preço, os itens voltam a ganhar destaque na plataforma. “Todo o processo é automatizado, transparente e reversível, e focado em garantir a melhor experiência para os compradores e vendedores do Mercado Livre”, afirma a companhia.
De acordo com o Mercado Livre, a iniciativa será mantida até janeiro de 2026, no contexto de grandes investimentos devido as datas de vendas de fim de ano. Nesta semana, a varejista anunciou que destinará R$ 100 milhões em cupons para a Black Friday, um aumento de 150% em relação ao ano anterior.
A reportagem procurou Shopee e Amazon, principais concorrentes do Mercado Livre, para entender se adotam políticas semelhantes neste período e para que comentassem a decisão da rival, mas ambas informaram que não iriam se manifestar.
Além da competitividade de preços, o Mercado Livre afirma que a posição dos anúncios nas buscas e promoções considera critérios técnicos e objetivos, como relevância do produto, reputação do vendedor e prazo e qualidade de entrega. “Nenhum desses fatores é determinante isoladamente, e o peso de cada variável é calibrado para garantir equilíbrio entre preço, qualidade e reputação”, diz a varejista, acrescentando que esses elementos já integram o algoritmo de ranqueamento há anos.
Segundo a empresa, o monitoramento de preços é feito de forma automatizada, com base em informações públicas de outros canais de venda, sites de comparação e plataformas concorrentes.
O vendedor é informado sobre diferenças de preços pela Central do Vendedor, com acesso às referências de comparação e aos valores observados. O Mercado Livre afirma que a medida busca destacar produtos mais competitivos, sem criar obrigação de preços uniformes entre canais, nem exigir exclusividade ou restringir a liberdade de atuação e precificação dos lojistas dentro e fora da plataforma.
Questionada sobre um possível impacto dessa política em avaliações de práticas anticompetitivas, a companhia diz que, embora lidere entre as plataformas de ecommerce, possui menos de 5% de participação no varejo total, incluindo lojas físicas e o comércio tradicional.
O QUE DIZEM OS VENDEDORES?
Vendedores do Mercado Livre ouvidos pela reportagem avaliam a nova política com preocupação. Segundo eles, o principal problema é a dificuldade de gerenciamento, já que a plataforma estaria comparando valores promocionais e preços praticados em marketplaces com custos operacionais menores.
Eles apontam ainda que o Mercado Livre possui uma das maiores taxas de devolução do setor, o que precisa ser considerado na formação dos preços. Um dos vendedores explicou que as comissões cobradas pela plataforma são mais altas do que as de concorrentes: em um produto de R$ 169, por exemplo, a taxa do Mercado Livre seria de cerca de R$ 53, enquanto a da Shopee ficaria em torno de R$ 37. Para itens de menor valor, a diferença é menor, mas ainda exigem ajustes na precificação a fim de compensar o custo adicional.
Em grupos internos, lojistas discutem estratégias para reduzir os impactos da medida. Entre elas, está a elevação de preços em outras plataformas para igualar os valores praticados no Mercado Livre.
Sobre o tema, o Mercado Livre afirma que investe constantemente para oferecer a melhor experiência a vendedores e compradores. A companhia diz que esses aportes geram maior tráfego, conversão e vendas, o que compensaria diferenças eventuais de custos entre plataformas, especialmente em períodos de investimento concentrado como o atual.
A empresa acrescenta que cada vendedor tem liberdade para definir seus preços conforme a estratégia do próprio negócio, levando em conta as condições de mercado e seus planos de venda.
Marcelo Paganini de Toledo, professor de planejamento de marketing da ESPM-SP, avalia o aumento da competitividade é sempre legítimo, mas diz que é necessário cuidado com o controle exercido pelas plataformas. Segundo ele, quando os vendedores precisam seguir regras internas sob o risco de perder visibilidade, a relação de concorrência pode se transformar em dependência, o que enfraquece a autonomia dos lojistas.
O impacto tende a ser maior para pequenos e médios vendedores, que dependem da visibilidade para gerar tráfego e vendas, afirma. Como a exposição dos produtos é determinada pelo algoritmo do marketplace, as alterações nas regras podem afetar diretamente a receita e a saúde financeira dessas empresas, diz Toledo. “Na prática, o sistema cria um funil: poucos ganham destaque, e a maioria fica invisível.”
O professor da ESPM afirma ainda que cobrar uniformidade de preços em mercados com estruturas de custo diferentes pode não fazer sentido, já que cada modelo de operação leva a uma formação de preço própria.
Analistas do Itaú BBA, que classificaram a medida como agressiva, afirmam que o objetivo da empresa é garantir que as melhores ofertas estejam concentradas em seu próprio marketplace.
Eles apontam que a decisão é uma resposta direta à concorrência da Amazon e da Shopee. Para os analistas do banco, a estratégia é bem calculada, já que poucos vendedores estariam dispostos a arriscar perder destaque no período de maior movimento do ano, marcado pela Black Friday e pelas compras de fim de ano.




