(UOL/FOLHAPRESS) – Pesquisadores da UFRR (Universidade Federal de Roraima) identificaram pegadas fossilizadas de dinossauros com mais de 100 milhões de anos em Bonfim (RR).
O QUE ACONTECEU
A descoberta foi confirmada por geólogos e paleontólogos da UFRR, após 14 anos de estudos na bacia do rio Tacutu, no norte do estado. As pegadas, preservadas em lajedos de arenito, foram datadas entre 103 e 127 milhões de anos, e pertencem a diferentes grupos de dinossauros, entre carnívoros e herbívoros.
A pesquisa só avançou dez anos depois do primeiro registro, feito em 2011 pelo professor Vladimir de Souza. Segundo o paleontólogo Lucas Barros, coautor do estudo, a falta de estrutura na época impediu o andamento da investigação. “A universidade não tinha equipamentos ou especialista no tema. Quando entrei na graduação, encontrei novas localidades com pegadas e usei meu próprio equipamento para documentar o material”, contou. Ele recorda que o trabalho começou a progredir de fato em 2021, quando passou a estudar o tema na graduação. “Encontrei diversas outras áreas com rastros, que se tornaram o tema do meu TCC”, acrescentou.
As análises foram realizadas por fotogrametria, técnica que transforma fotografias em objetos tridimensionais de alta precisão. O método permitiu reconstruir digitalmente as trilhas e confirmar a autenticidade dos rastros. “Foi um trabalho de campo e laboratório. As descobertas foram bem recebidas em congressos e já estão em fase final de revisão para publicação na revista Cretaceous Research”, disse Barros. O trabalho contou também com apoio do professor Felipe Pinheiro, líder do Laboratório de Paleobiologia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), onde Barros realizou o mestrado.
As pegadas revelam que diferentes grupos de dinossauros coexistiam na região. O estudo identificou todos os grandes grupos conhecidos, incluindo saurópodes (de pescoço alongado), ornitópodes (herbívoros com “bico de pato”), tireóforos (de “armadura”) e terópodes, como os dromaeossaurídeos os populares “raptores”. “Isso revela um ecossistema complexo, onde esses animais coexistiam no mesmo vale, com água e vegetação abundantes”, explicou.
Trilhas com mais de 30 metros indicam a passagem de grupos inteiros de dinossauros. As pegadas variam em tamanho e formato, com registros de animais pequenos e gigantescos. Em alguns pontos, as marcas se cruzam, revelando o trânsito de diferentes espécies pelo mesmo vale. “Essas diferenças reforçam a diversidade de espécies que habitaram o vale e ajudam a compreender como esses animais se distribuíam pelo continente”, completou.
AMAZÔNIA DOS DINOS
É a primeira confirmação científica robusta de pegadas de dinossauros não avianos na Amazônia setentrional (norte). Até agora, só existiam ocorrências isoladas no Amazonas e no Maranhão, mas os registros eram limitados. “Esta é a primeira em Roraima e mostra um cenário mais diverso para os dinossauros da região”, disse Barros. Dinossauros não avianos são todos os dinossauros que não deram origem às aves modernas. As aves atuais são consideradas um ramo dos dinossauros avianos, que sobreviveram à extinção em massa.
O trabalho foi financiado pela Capes e deve gerar novas expedições científicas. “Já existe interesse em desenvolver o projeto também em uma terra indígena, que reúne paisagens lindíssimas da savana roraimense e grande potencial para o turismo científico”, afirmou.
COMO ERA A REGIÃO
A bacia do Tacutu era um vale profundo formado pela separação dos continentes e servia de refúgio para a vida no Cretáceo. Entre 103 e 127 milhões de anos atrás, essa estrutura conhecida pelos geólogos como rifte concentrava canais de rios e planícies de inundação em meio ao clima árido da época. Naquele período, os continentes ainda se afastavam após a fragmentação do supercontinente Pangeia, o que alterou o clima e favoreceu a formação de novos ambientes férteis, como a bacia do Tacutu.
O ambiente abrigava rios, lagos e vegetação, além de sinais de atividade vulcânica. “Encontramos fósseis vegetais, como troncos e impressões de folhas, além de icnofósseis (vestígios de atividades de animais e vegetais nos sedimentos e rochas) de invertebrados, como tocas. Era um vale rico em biodiversidade. É possível que o calor das rochas tenha sido usado por esses animais para a incubação de ovos”, explicou Barros.




