SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “O que acontece é um grande equívoco: Dostoiévski sempre foi pop”, afirma Caio Blat, convicto. Os calhamaços de mil páginas do autor russo foram publicados originalmente em forma de folhetins nos jornais. “Era uma coisa extremamente popular. Aí um século se passa e ele chega ao Brasil editado em romances enormes e vira uma coisa erudita, quando na verdade é um novelão mexicano”, diz o ator.
Em janeiro deste ano, o ator, diretor e dramaturgo estreou sua adaptação de “Os Irmãos Karamázov”, projeto que passou décadas planejando e estudando. Após temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, a trupe de mais de 20 integrantes leva o espetáculo a unidades do Sesc no interior paulista, em periferias e na região metropolitana.
“São textos, na verdade, de natureza muito popular, com tramas paralelas, vários personagens. O que a gente fez foi resgatar isso e desrespeitar esse clima de século 19, ortodoxo”, explica Caio.
A Rússia pré-revolucionária e o Brasil de 2025 são muito parecidos na questão do abismo social, defende ele. “São países com uma grande massa de pessoas pobres e uns poucos privilegiados. Isso está claro na estrutura do Dostoiévski: os Karamázov são aristocratas, hedonistas e egoístas. E a família pobre é o contraponto, são solidários e afetuosos.”
Para ambientar a obra no contexto do Brasil atual, a direção aposta em uma balada de música eletrônica com luzes estroboscópicas, danças sensuais e a subversão de gêneros dos atores. “Qualquer ator pode fazer qualquer personagem. Isso quebra a sisudez do texto, tem mulher fazendo papel de homem e homem fazendo papel de mulher”, diz.
Do trio de irmãos que dá nome à peça, Dmitri, Ivan e Aliocha Karamázov, apenas Ivan é interpretado por um homem o próprio Caio. Dmitri e Aliocha são vividos pelas atrizes Catharina Caiado e Nina Tomsic. O patriarca Fiódor Karamázov é vivido por Babu Santana, que ganhou o prêmio Bibi Ferreira pelo papel.
AUTOR POPULAR
Babu traz senso de humor ao patriarca, descrito no texto como “um pai abominável” cujos filhos acabam se unindo para matá-lo. “Na minha formação de ator, Dostoiévski era aquele cara difícil, denso. ‘Os Irmãos Karamázov’ era um texto que me deixava confuso, eu chegava na página 150 e não estava entendendo mais nada”, conta o ator.
Amigo de Caio desde os tempos do projeto Nós do Morro, Babu ouviu o amigo sonhar com essa peça por mais de 25 anos. “Conforme a gente foi estudando, entendi que, assim como Shakespeare, a gente vai ler aquele texto pomposo, mas são autores populares. Quando você tira essa pompa e entende o drama rasgado que é aquilo, você compra a dor e a felicidade dos personagens”, diz.
“Dostoiévski te quebra, te abandona, te confronta”, afirma. “Tem uma frase que é: ‘Todo mundo deseja matar o pai’. E eu falava: ‘Meu Deus, e quando a gente for para os interiores? Isso vai chocar'”, lembra. O retorno do público nas cidades, no entanto, tem sido surpreendente.
Nas três sessões da peça em Franca (SP), na semana passada, o elenco conversou com espectadores que disseram ser a primeira vez que iam ao teatro. “É muito importante essa circulação, a gente estar presente nas periferias, interiores e regiões metropolitanas”, diz Caio.
“Eu quase não acredito quando vamos para mais uma cidade. Isso é lindo, o fato de que ‘pegou’, de que as pessoas se emocionam, de que o Dostoiévski virou um autor popular em Taubaté”, continua. “Me dá uma emoção profunda.”




