BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Para o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), Rodrigo Agostinho, nem a pressão política, nem a proximidade da COP30 a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas) interferiram no licenciamento ambiental de petróleo na Foz do Amazonas.
Qualquer interferência, diz à reportagem em sua primeira declaração desde que assinou a licença, seria repetir o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que omitiu dados ruins sobre desmatamento e atrasou a divulgação para depois da conferência de 2021, em Glasgow (Reino Unido).
“Isso iria passar como uma grande hipocrisia, um grande engodo. Deixar para tomar uma decisão um dia depois de uma conferência, só por uma questão de opinião pública”, afirma.
A autorização aconteceu em 20 de outubro, menos de um mês antes do início da conferência.
“A gente se ressentia quando o governo segurava o dado de desmatamento para depois de uma COP no passado. E nesse caso, embora tenha sido, obviamente, uma decisão difícil, a equipe técnica prevaleceu”, completa.
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PERGUNTA Em maio de 2023 o Ibama negou a licença. Em 2025, aprovou. O que mudou?
RODRIGO AGOSTINHO A estrutura de resposta a um eventual acidente era insuficiente. A Petrobras percebeu que não conseguiria avançar e construiu uma base, um centro moderno de atendimento às emergências em Oiapoque [AP]. Mesmo assim, o Ibama entendeu que essa estrutura precisava ser testada e decidiu fazer um grande simulado. Durou três dias, envolveu mais de 400 pessoas. Mesmo assim, o Ibama pediu ajustes. Esses ajustes foram feitos e a licença foi concedida. É uma licença de pesquisa. Por uma atividade que deve durar de 3 a 5 meses.
P A atividade ameaça os peixes-boi da região?
RA A espécie em si, não, mas o Ibama alertou a Petrobras de que a circulação de embarcações vai sempre ter que levar em consideração a presença desses animais.
P Qual o limite entre um risco de autorizar ou barrar uma licença?
RA Existe uma ciência. É uma balança, vai avaliar a viabilidade ou não. Não é porque o ambiente é sensível que uma atividade não pode ser realizada, mas enquanto não tem viabilidade, a licença não é concedida.
P É possível explorar petróleo sem risco ambiental?
RA Não, não existe nenhuma atividade humana sem risco. Você trabalha o tempo todo para minimizar riscos. Talvez, quando foram construir o primeiro posto de gasolina, todo mundo falou: Nossa, vou deixar todo esse combustível aí?. O Ibama também diz muito não, nem tudo é licenciável, mas o licenciamento melhora muito os projetos.
P O parecer técnico diz que os indígenas foram ignorados, com aval da AGU. O senhor concorda?
RA O parecer da AGU era relativo aos barulhos das aeronaves no aeroporto local de Oiapoque, existe uma aldeia ao lado. Tem uma posição da nossa equipe de que, com a atividade de petróleo, vai aumentar a movimentação de aeronaves e isso vai causar incômodo. A AGU entendeu que a gente estava extrapolando e discutindo outro empreendimento, que já tem licença do órgão estadual.
P Então há impacto?
RA Sim, do ruído. Não sei se teriam medidas mitigatórias.
P A licença obriga a Petrobras a atualizar a modelagem de dispersão de óleo. Isso não deveria ser antes da autorização?
RA A Petrobras fez um conjunto grande de modelagens, só que é uma região realmente muito grande, essas modelagens podem ser aperfeiçoadas. A maior parte das correntes marinhas apontam no sentido de que um eventual vazamento de óleo vai mais para o mar aberto, mas muito provavelmente, em algumas épocas do ano, o vento também muda de direção. Para fins dessa licença, o Ibama entendeu que as informações que constavam no projeto são suficientes.
P O Ibama não pode exigir uma Avaliação Ambiental Estratégica, que mede os impactos de toda uma região e não só de um empreendimento. Isso precisa ser revisto?
RA Os pareceres da equipe técnica apontam que o licenciamento seria muito mais fácil se tivesse as avaliações ambientais estratégicas. Seria muito importante, mas o Brasil não valoriza outros instrumentos além do licenciamento ambiental.
P O licenciamento também não considera impactos de mudança climática. Deveria?
RA É uma questão da legislação. A gente está agora lutando no debate da lei de licenciamento ambiental. O governo brasileiro foi muito correto em fazer os vetos. A gente precisava, por exemplo, que a questão das mudanças climáticas estivesse no âmbito do licenciamento, mas não aparece em nenhum artigo da lei. É um debate que precisa ser feito. No novo pré-sal, como a gente está falando já em produção de petróleo, a gente já pediu para a Petrobras um plano de mitigação.
P Então é possível ter exploração de petróleo de forma sustentável?
RA O Ibama não faz política energética. As pessoas têm expectativa que o licenciamento ambiental resolva tudo. O licenciamento ambiental do petróleo vai minimizar ao máximo o risco, mas não é garantia de que não existe risco. Eu, pessoalmente, não tenho dúvida que a transição energética precisa acontecer, precisa ser rápida e precisa ser justa, mas não é o Ibama que vai discutir isso. A gente tem um Conselho Nacional de Política Energética que debate o assunto, o próprio Ministério de Minas e Energia constrói uma política para o país. Não [dá para] esperar isso do licenciamento ambiental.
P Mas o Ibama não deve dizer se uma atividade é sustentável ou não?
RA Não. O governo brasileiro decidiu que essas áreas seriam encaminhadas para pesquisa e produção de petróleo no leilão, um momento anterior. O Ibama precisa garantir que essa atividade não aconteça se não for segura.
P Durante o processo, a equipe técnica recomendou rejeitar a licença e arquivar o processo. Por que o sr deu seguimento ao licenciamento?
RA A Petrobras fez uma mudança estruturante em tudo. Entre o parecer da equipe e a minha decisão, houve outros dois despachos da coordenação e da diretoria recomendando que a estrutura fosse testada. E foi exatamente isso que aconteceu. As licenças de pesquisa não são, normalmente, tão robustas como essa. A análise demorou 11 anos. Não é normal, longe disso.
P O processo deveria ter sido encerrado antes?
RA Eu posso falar pelos últimos três anos. A gente tentou garantir um equilíbrio técnico e uma estrutura robusta para prevenção de riscos e acidentes. E essa estrutura foi montada. Mas, normalmente, de fato, processos como esse são encerrados e novos são reabertos. A Petrobras teria apresentado um novo pedido.
P Houve pressão política?
RA É natural, quando parcelas da sociedade querem muito uma coisa, que isso aconteça. As equipes de licenciamento são de servidores de carreira, concursados, protegidos pela legislação. A gente já viu isso acontecer no passado com outras obras. Em empreendimentos regionais, às vezes todo mundo de uma cidade vem aqui, o Ibama acaba sendo um para-raios. Mas independente de posições pessoais, embora tenha tido um grande debate político, prosperou o técnico.
P O sr. foi criticado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, por ministros do governo e pelo próprio presidente Lula. Isso não interferiu?
RA Não, com muita sinceridade. Cria exposição, uma série de situações, mas se o último parecer da equipe técnica fosse pela rejeição, eu iria acompanhar. O governo acreditou que era possível melhorar o licenciamento, e houve uma melhora significativa.
P Da mesma forma, as pessoas dizem que essa licença deveria ter saído depois da COP30
RA Na minha cabeça isso iria passar como uma grande hipocrisia, um grande engodo. Deixar para tomar uma decisão um dia depois de uma conferência, só por uma questão de opinião pública.
P O timing dessa licença
RA É o da equipe técnica, independente se a gente vai ter o maior evento do ano sobre mudanças climáticas. A gente se ressentia quando o governo segurava o dado de desmatamento para depois de uma COP no passado. E nesse caso, embora tenha sido, obviamente, uma decisão difícil, a equipe técnica prevaleceu.
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RAIO-X
Rodrigo Agostinho, 47
Presidente do Ibama desde 2023, é filiado ao PSB, biólogo e advogado. Antes foi deputado federal entre 2019 e 2022 e prefeito de Bauru de 2009 a 2017.




