SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Idealizador do filme Tropa de Elite, o ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Rodrigo Pimentel disse à reportagem nesta terça (28) que a expansão territorial de facções ameaça a soberania nacional.
Segundo ele, o Brasil vive hoje situação pior do que a da Colômbia, país que atravessou décadas de conflitos com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias) e com carteis de narcotráfico.
“Não há em Bogotá ou Medelín áreas urbanas dominadas como as do Rio. Esqueça a Colômbia. Lá temos áreas rurais ocupadas por resquícios das Farc. Urbanas, não”, afirma Pimentel.
“O que você vê no Rio, em Salvador ou em Fortaleza não existe na América do Sul”, acrescentou ao comentar a operação do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho realizada nesta terça (28). A menção às capitais da Bahia e do Ceará decorrem da expansão da facção a esses estados.
Deflagrada nesta terça, a megaoperação foi a mais letal da história do Rio e terminou com 64 pessoas mortas, quatro das quais policiais. As demais são apontadas como suspeitas pelo governo Cláudio Castro (PL).
Para o ex-capitão do Bope, formado em sociologia pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), “o Brasil deveria entender que ações de domínio e expansão territorial não são de banditismo, mas de conflito”.
“O que temos hoje é uma situação de Conflito Armado Não Internacional (Cani), que contrapõe numa guerra prolongada forças governamentais e forças irregulares em torno de questões como domínio territorial. Vimos isso na Síria, vemos em Burkina Fasso e na Nigéria”.
O problema, na visão dele, é que “a imprensa brasileira não entende assim; a Folha não entende assim; o STF não entende assim; o ministro Ricardo Lewandowski não entende assim; o Lula não entende assim e boa parte da esquerda brasileira também não entende assim”.
Pimentel vê no revide do Comando Vermelho, que determinou o fechamento de ruas com barricadas e veículos, “uma ação típica de terrorismo”.
“Tivéssemos nove, quinze bandidos armados com revólveres ou pistolas, a polícia iria tirar de letra. A questão é que são 700, 800 bandidos, todos armados com fuzis. É muita força para você enfrentar”, disse ele.
Some-se a isso, afirma ele, o apontamento de que criminosos usaram drones para lançar bombas contra policiais e a própria população no Complexo da Penha, numa investida para atrasar o avanço da operação.
“Eu estou aguardando a ONG Fogo Cruzado, de quem eu gosto muito muito, mesmo, se pronunciar sobre a morte da dona Marli, que morreu dentro de casa com um tiro na cabeça num conflito entre facções. Não tinha polícia e mataram dois inocentes. Mas isso eles não falam”, afirmou.
O ex-capitão considera que o Rio de Janeiro vive uma guerra, mas que não tem regras para enfrentar essa situação. “Você não tem autorização judicial para vasculhar todas as casas. Entre 2010 e 2012 o Exército ficou 19 meses no Complexo do Alemão, mas não pôde apreender as armas, que ficaram lá, escondidas. Foi uma ocupação perdida”, diz.
O crime organizado, segundo ele, foca hoje muito mais em questões de domínio territorial com expansão a outros estados do que propriamente o tráfico de drogas.
“Temos moradores expulsos de suas casas todo dia. Mas não é uma expulsão com fuzil na cara. É algo muito velado. Passa alguém e picha na parede a expressão ‘vaza’. Aquilo gera um clima de terror e todo mundo foge”, afirma. “Imagine o que é viver sob essa tensão.”
O ex-Bope diz também que questões topográficas dos complexos do Alemão e da Penha zonas de morro e alvo das operações desta terça prejudicam a entrada das forças, mas que isso não é fator impeditivo. “Hoje temos favelas planas, edificadas e urbanizadas, onde a dificuldade de acesso também impera”, diz.
“Há cinco meses a PM tentou entrar na Cidade Alta, um conjunto de prédios à beira da avenida Brasil, e não conseguiu. O obstáculo não é a topografia, mas o número de fuzis.”
A operação desta terça contou com 2.500 agentes de segurança, “efetivo que não vai ajudar você a sobrepujar, mas é o que tem”, diz Pimentel. “A Polícia do Rio não consegue mobilizar do que isso.”
Para ele, o domínio cada vez maior de facções sobre territórios ameaçam o país e a própria soberania nacional. “Temos quatro milhões de pessoas vivendo atrás de barricadas. É uma humilhação para o morador e para o próprio país, cuja soberania é colocada em teste”, afirma.
“São pessoas que vivem sob as leis das facções. O morador odeia o tráfico, odeia a milícia. O morador quer a dignidade, quer o direito de viver e a cidadania”, diz Pimentel.
“A barricada é o início da marcação do feudo, mas você não vai encontrar uma declaração do ministro Lewandowski sobre isso.”
Nesta terça, o ministro declarou que “lamentavelmente morreram agentes de segurança pública e, pior ainda, pessoas comuns, pessoas inocentes” na megaoperação do Rio e afirmou que a ação policial foi “bastante cruenta”, que significa sangrenta.
“Eu queria enfatizar que o combate à criminalidade se faz com planejamento, inteligência e coordenação. Não posso julgar porque não estou sentado na cadeira do governador, mas quero apresentar a minha solidariedade à família dos policiais mortos e a solidariedade à família dos inocentes”, afirmou Lewandowski.




