SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A dona de casa Cláudia Ramona Chaves acompanhou o genro e o pedreiro na visita ao barraco na comunidade Vitória, nos fundos do Jardim Los Angeles, em Campo Grande. Olhava desconfiada para a mureta de concreto construída em frente ao diminuto imóvel de folha de madeira, tijolo e piso de cimento batido. O reforço, de cerca de 30 centímetros, foi projetado para ser uma barreira contra a força da água. “Não sei não, ainda acho que está baixo”.
O receio é a lembrança da chuva torrencial em abril que atingiu 30 famílias na área invadida. Claúdia mora no barraco ao lado e ficou no local, enfrentando dias de água empoçada, mau cheiro e a perda dos poucos móveis.
O Jardim Los Angeles está numa lista da Prefeitura de Campo Grande que inclui ruas e avenidas de outros 73 bairros suscetíveis a alagamentos.
A publicação, de 2024, contém informações coletadas no plano diretor ambiental de 2018 e que estão sendo atualizadas este ano, em projeto da Defesa Civil municipal e da Planurb (agência municipal de meio ambiente).
A capital de Mato Grosso do Sul, que nos últimos anos sofreu reflexos dos incêndios no pantanal, ostenta um título inversamente proporcional às chamas: é a campeã no país em decretos publicados por desastres ligados a chuvas, segundo estudo da CNM (Confederação Nacional de Municípios).
O levantamento, com dados de 2013 a 2023 a partir de informações de coordenadores estaduais e municipais de defesa civil, mostra que no intervalo de dez anos Campo Grande publicou 244 decretos ligados a desastres em geral, dos quais 132 em virtude de chuvas 30 só em 2022. É a única capital entre as dez cidades com mais decretos no período.
Entre os 74 bairros suscetíveis a alagamentos, há áreas que receberam bacias de contenção neste ano mas, como não passaram por um “teste de resistência” no período chuvoso, ficam na lista até que se tenha certeza de que o problema foi sanado, segundo Enéas Netto, coordenador da Defesa Civil municipal.
A ideia, segundo ele, é lançar a atualização até o ano que vem no sistema de informações sobre desastres do governo federal, que norteia o repasse de recursos conforme risco e urgência.
Outros seis pontos de alagamento estão sob averiguação e, dependendo das próximas chuvas, entrarão ou não na listagem -o que elevaria a contagem até 80.
Recursos é o que a prefeitura busca para resolver um passivo responsável por alagamentos e erosões. A avenida Ernesto Geisel é um desses problemas crônicos. Com 12,5 quilômetros de extensão, ela corta a cidade de leste a oeste. Parte da via margeia o rio Anhanduí, fruto do encontro das águas dos córregos Prosa e Segredo.
Em janeiro, o projeto de R$ 150 milhões submetido ao Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) não foi aprovado.
O titular da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos, Marcelo Miglioli, disse que não há recursos para a obra, mas o avanço da erosão obrigou a prefeitura a investir. Desde setembro de 2024, as margens do Anhanduí estão sendo reconstruídas no sistema gabião, um colchão de pedras britadas protegido por gaiolas metálicas. A obra está orçada em R$ 20,9 milhões e deve ser concluída até fevereiro de 2027. Ou seja, o local ainda enfrentará mais dois verões, período mais chuvoso do ano, antes da conclusão.
Em outro cruzamento da via, com a avenida Rachid Neder, os alagamentos são recorrentes e seriam necessários R$ 200 milhões, estima o secretário. “Ali, realmente, é um problema muito sério.”
O engenheiro civil e ambiental Antônio Sampaio disse que uma obra havia sido executada há 12 anos, quando duas pequenas bacias de contenção foram construídas para evitar a inundação na parte baixa, exatamente no cruzamento das avenidas. O rompimento de outra bacia, no Bairro Nova Lima, fez descer sedimentos que ficaram depositados nas duas bacias. “Nunca deram manutenção, a vegetação cresceu e hoje é uma floresta.”
A bacia do Nova Lima foi sanada, mas depois a água desce sem barreiras do córrego Segredo e chega ao gargalo.
Outro problema é a inundação do lago do Amor, construído dentro do campus da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a partir do barramento dos córregos Bandeira e Cabaça, com função de contenção de enchentes.
Em janeiro de 2023, a força das águas destruiu parte da ciclovia da avenida e do muro de contenção. Os reparos foram feitos e, em outubro daquele ano, a calçada cedeu com o alagamento. Em março deste ano, o mesmo trecho voltou a ceder. Outros R$ 20 milhões são necessários para as obras.
Caso a prefeitura tenha recursos, a prioridade não seriam essas localidades. Miglioli diz que os problemas são pontuais, e que a falta de pavimentação e de drenagem são mais prejudiciais, elencando alagamentos em outros bairros. A saída está sendo buscar apoios nos governos federal e estadual, com deputados e negociar linhas de financiamento.
Campo Grande repete a realidade de outras cidades, diz Sampaio. “A cidade foi crescendo sem planejamento hidráulico, foi ocupando tudo, foi impermeabilizando. Então, a chuva continua mais ou menos a mesma, só que hoje quando chove a água chega mais rapidamente, em um tempo muito mais curto e vai inundando tudo.”
PREVENÇÃO
Prever os eventos faz parte de uma pesquisa da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia. O coordenador Paulo Tarso Sanches de Oliveira disse que o projeto começou em 2017 na bacia do Prosa, usando modelagem hidrológica computacional para prever como a água da chuva se comporta, da infiltração ao escoamento até os córregos urbanos.
Dados de pluviômetros adquiridos pela prefeitura em 2014, que estavam sem uso, validaram os modelos. A equipe chegou a desenvolver um sistema para celulares, capaz de prever, com até 48 horas de antecedência, as áreas com maior risco de alagamento.
O projeto cresceu e a infraestrutura atual inclui 13 sensores nas bacias dos córregos Prosa, Segredo, Bandeira e Lajeado, além de uma estação meteorológica e um radar que mede a vazão na avenida Ricardo Brandão. A expansão do sistema está prevista para alcançar também as bacias do Imbirussu e do Anhanduí.
FUMAÇA DESACELERA NA CAPITAL
As queimadas, que nos últimos anos provocaram nuvens de fumaça em Campo Grande devido ao fogo no pantanal sul mato-grossense, neste ano apresentaram queda significativa.
Dados do Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul) indicam que de janeiro a setembro ocorreram 203 focos de calor no pantanal, redução de 97,3% em relação aos 7.410 focos computados no ano passado.




