SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Guerra da Ucrânia levou a desastres ambientais que ainda estão sendo investigados por pesquisadores ao redor do mundo. Segundo estudos publicados neste ano, dois dos principais reflexos do conflito são a presença de 83,3 mil toneladas de metais pesados na barragem de Kakhovka, explodida em 2023, e o desmatamento de uma área de 1.580 km² entre 2022 e 2023.

Russos e ucranianos se acusaram mutuamente, à época, pela explosão da represa, no sul da Ucrânia, em que ocorreu em 6 junho de 2023. O episódio provocou inundações na região de Kherson. Pesquisa publicada na revista Science identificou uma “bomba-relógio tóxica” de poluentes -chumbo, cádmio e níquel- nos sedimentos no rio Dnieper.

“Esses poluentes podem ter vários impactos negativos na saúde humana, por muito tempo, em sistemas como o endócrino, o reprodutivo, os rins e os pulmões, além de causar câncer”, diz à reportagem a pesquisadora Oleksandra Shumilova, do Instituto Leibniz de Ecologia de Água Doce e Pesca Interior em Berlim, que lidera a pesquisa.

Os resultados do estudo indicam que a drenagem do reservatório expôs sedimentos do leito do rio Dnieper, que tinham material tóxico. Da quantidade de metais pesados, menos de 1% teria sido liberado durante a drenagem. A ameaça dos poluentes não é imediata, os efeitos são de longo prazo.

“Os metais pesados restantes podem afetar a população humana da região, pois a água do rio é amplamente utilizada por residências para compensar a falta de abastecimento de água municipal”, escreveram os cientistas.

Além disso, artigo publicado na revista Global Ecology and Conservation mostrou que a Ucrânia perdeu 808 km² de floresta em 2022 e 772 km² no ano seguinte.

Essa pesquisa, liderada por Roberto Cazzolla Gatti, professor da Universidade de Bolonha, associou as cinco regiões que mais perderam florestas entre 2022 e 2023 aos impactos da guerra.

No total, 65,8% da perda florestal do país nesse período está relacionada ao conflito, sugere a pesquisa. Outras áreas não diretamente ligadas à guerra entre Ucrânia e Rússia não tiveram perda significativa de floresta.

O comprometimento da área verde também afeta a biodiversidade, pois algumas funções dependem da cobertura florestal. São elas, por exemplo, a filtragem de poluentes e da água, a formação do solo e a regulação do clima por meio da fixação de gases de efeito estufa.

METODOLOGIAS

A pesquisa sobre Kakhovka surgiu de uma reflexão sobre como as atividades militares podem afetar os recursos hídricos, diz Shumilova. “Já nos primeiros dias da guerra havia informações de que várias barragens foram danificadas”, lembra.

No caso da barragem de Kakhovka, os pesquisadores organizaram um projeto colaborativo entre cientistas alemães e ucranianos baseados na Ucrânia, a fim de entender as consequências ambientais da destruição da represa.

A localização do reservatório, na zona de fronteira entre os domínios russo e ucraniano, foi um desafio na coleta de amostras para a pesquisa. Uma alternativa para obter mais dados foi o uso de imagens de satélite.

A pesquisa sobre perda florestal também teve de usar recursos tecnológicos para driblar os desafios do contexto da guerra. Tal estudo combinou imagens de satélite das áreas afetadas pelo conflito com um sistema de inteligência artificial baseado em aprendizado de máquina.

Essa alternativa, conforme os cientistas, ajuda a coletar dados à distância e de forma segura em zonas de conflito. A metodologia permite a identificação e a quantificação de mudanças na cobertura florestal quase em tempo real, trazendo uma confiabilidade na detecção do desmatamento de 80%.

Uma das pesquisas conclui que os sedimentos expostos tornaram-se uma fonte contínua de poluição, podendo ser remobilizados por futuras enchentes. A outra pesquisa, ponderando sobre os desastres ambientais, diz que o país pode levar décadas para se recuperar.