BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A MP (medida provisória) do governo que buscava conter o impacto de diferentes propostas de energia aprovadas ou em discussão no Congresso ganhou uma nova redação que resgata parte desses dispositivos e reduz a economia esperada. Entre as beneficiadas estão empresas dos irmãos Joesley e Wesley Batista e de Carlos Suarez.

Na prática, o texto em discussão obriga que o brasileiro pague por meio da conta de luz para consumir eletricidade gerada a partir de empresas das quais eles são acionistas indiretos. A proposta ainda eleva a poluição da matriz elétrica do país.

O relator da MP 1.304/2025, senador Eduardo Braga (MDB-AM), inseriu em seu texto a obrigatoriedade de contratação de térmicas a gás. A proposta havia sido inserida por meio de um “jabuti” (trecho sem ligação com o tema original) na lei de privatização da Eletrobras, mas não saiu do papel até hoje devido a limitações de viabilidade.

O governo eliminou na MP a obrigação dessa contratação, mas o relator retomou a proposta. O texto agora determina a realização de leilões para 4.250 megawatts (MW) de térmicas a gás natural. Embora seja metade do que era previsto na época da venda da Eletrobras, a versão do relator prevê 50% de inflexibilidade mínima (ou seja, quando funcionam de forma ininterrupta) e contratos de 20 anos.

O texto de Braga chama atenção por especificar onde essas usinas a gás devem se localizar: Goiás, Distrito Federal, Piauí, Maranhão, Amapá e Amazonas. Em todos os casos, a distribuição de gás é feita de forma monopolista por empresas estaduais que têm na sociedade Suarez. A contratação das usinas nesses locais beneficiaria, portanto, as empresas das quais ele é acionista.

Suarez foi um dos fundadores do grupo de infraestrutura OAS (rebatizado de Metha, após a Operação Lava Jato). Ele tem uma holding com as iniciais de seu nome, chamada de CS Participações -dona da Termogás, que possui vários ativos no setor de energia. Representantes do grupo de Suarez foram procurados, mas não retornaram até a publicação deste texto.

Há consenso entre especialistas de energia que a contratação de usinas termelétricas a gás é benéfica para o sistema, sobretudo para serem usadas nos momentos em que as fontes renováveis param de gerar energia (precisando de um rápido substituto) -mas não no modelo inflexível, considerado muito caro e poluente.

Além de prever a contratação dessas usinas, Braga ainda inseriu a previsão de usar o Fundo Social do pré-sal para financiar investimentos de infraestrutura de gás. O texto propõe linhas de financiamento fornecidas por bancos federais “que assumirão os riscos das operações, incluído o risco de crédito, e as ofertarão a pessoas jurídicas de direito privado”.

Braga também incluiu dispositivos que prorrogam a compra de energia de usinas a carvão, ao prever a contratação de reserva de capacidade para as unidades que usam esse combustível que tinham contratos em vigor em dezembro de 2022. Esses empreendimentos poderão agora, segundo o texto do relator, operar até 31 de dezembro de 2040.

A prorrogação de contratos a carvão estava também em outro jabuti de energia em análise pelo Congresso. Nesse caso, é beneficiada a usina de Candiota (no Rio Grande do Sul) –controlada pela Âmbar Energia (do grupo J&F, dono da empresa de carnes JBS e controlado pelos irmãos Batista).

O grupo comprou o ativo da Eletrobras no segundo semestre de 2023. Procurada, a J&F não se manifestou até a publicação deste texto.

Procurada para comentar o benefício às empresas, a assessoria de Braga não comentou o tema. Mas enviou um texto em que diz que a proposta do senador “concentra-se em proteger o consumidor final e garantir a modicidade tarifária”.

O texto amplia o escopo da MP, que originalmente era voltada a conter o crescimento da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético, que reúne os encargos e subsídios do setor e é abastecida por meio da conta de luz), e à redefinição das regras para uso do gás da União.

Na parte da CDE, que atingiu um custo de R$ 49,2 bilhões em 2025, o relatório segue o proposto pelo governo para conter o impacto sobre as tarifas de energia. A proposta impõe um teto que é representado pelo valor de 2025 corrigido pelo IPCA a partir de 2027. Caso os subsídios superem esse limite, será criado um Encargo de Complemento de Recursos (ECR), a ser pago pelos próprios beneficiários das políticas subsidiadas.

O relatório também classifica o armazenamento de energia como elemento essencial da transição elétrica e da estabilidade do sistema. O texto busca regulamentar a contratação de sistemas de armazenamento, que poderão ser incluídos no planejamento da rede básica, e concede isenção de IPI e PIS/Cofins para baterias e componentes, com custo fiscal limitado a R$ 1 bilhão em 2026. O Executivo também poderá reduzir a zero o Imposto de Importação.

Braga defende que o incentivo corrige a carga tributária excessiva sobre tecnologias que dão suporte à expansão de fontes renováveis intermitentes. A proposta também cria um mecanismo competitivo para remunerar a geração nos horários de pico, favorecendo projetos de baterias e hidrelétricas reversíveis a serem custeados pelo encargo de reserva de capacidade.

Braga ainda postergou o início da vigência do Programa de Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC) de 2028 para 2030, devido a limitações de infraestrutura de transmissão.

Além disso, o relator estabeleceu um novo regramento para os preços de referência do petróleo, gás natural e condensado. O objetivo, diz, é dar mais realismo aos preços utilizados para calcular as participações governamentais (royalties) ao considerar a “média das cotações divulgadas por agências de informação de preços reconhecidas internacionalmente”. “Ressaltamos que a medida representará um importante ganho de arrecadação para a União, algo que contribuirá para o equilíbrio fiscal”, afirma.

Embora elogie o esforço do senador Eduardo Braga (MDB-AM) em ouvir associações em audiências públicas, a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) considera “temerário” e “problemático” o texto da medida provisória.

“O mais temerário é que o relatório traz uma clara medida para desestimular a geração própria de energia pelo consumidor na micro e minigeração distribuída”, afirma Bárbara Rubim, vice-presidente da entidade.

Ela cita que o relatório propõe cobrança adicional de R$ 20 para cada 100 kw/h gerado.

“Foi algo sem alarde. Sequer é mencionado na explicação de motivos e não há nenhum dado de onde vem isso”, completa.

Bárbara afirma que, se a MP virar lei com o texto apresentado, cada consumidor vai pagar uma taxa que é quatro vezes superior à aplicada nas contas de luz em bandeira vermelha. O marco legal da geração própria foi aprovado no começo de 2022 com período de transição para os consumidores até 31 de dezembro de 2028.

“A regra de transição está sendo jogada no lixo com uma taxa. O que o relatório diz é que não dá para acreditar em lei no Brasil. Existem pontos desse relatório que são dúbios, obscuros e que reforçam a insegurança jurídica no país”, finaliza.

Para representantes de comercialização de energia no mercado livre, um motivo de preocupação é a introdução de uma barreira para a entrada do chamado autoprodutor equiparado, aquele que não tem outorga para geração, mas é equiparado aos que a possuem para fins de encargos.

“Agora há um limite de demanda. O produtor tem de consumir 30 megavolts de demanda e traz uma obrigação de investimento que antes não existia. Isso limita a entrada de novos produtores no mercado”, afirma Marcel Meni, head jurídico do Grupo Bolt.

Mas ele acredita que o relatório da MP tem como aspecto positivo a abertura, algo que era defendido há anos por empresas e entidades do setor. Pelos números da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) serão afetados 92 milhões de consumidores ligados à rede de baixa tensão.

“Na abertura de mercado, o texto vai de encontro ao que a CCEE defende que é o direito de o consumidor escolher. Ele poder escolher quem vai consumir aquela energia, se será de fonte solar, hidráulica ou qualquer outra, qual o melhor contrato que atende suas necessidades e seus valores. Era o que pedíamos há muito tempo”, diz Alexandre Ramos, presidente do conselho de administração da Câmara.

MEDIDAS PREVISTAS POR BRAGA

– Térmicas a gás: torna obrigatória a contratação de 4.250 MW via leilão, com inflexibilidade mínima de 50% e estados específicos.

– Fundo Social: permite usar superávit do fundo para financiar infraestrutura de gás natural, com o risco de operações ficando para bancos públicos

– Carvão: prorroga operação de usinas a carvão até 2040.

– Armazenamento: regulamenta o armazenamento de energia e concede isenção de tributos (IPI, PIS/Cofins e Imposto de Importação) para baterias.

– CDE: cria teto para arrecadação a partir de 2027.

– Cotas diferenciadas: reduz custo da CDE para grandes consumidores.

– Mercado livre: define cronograma de 24 a 36 meses para abertura ao público de baixa tensão.

– Descontos tarifários: proíbe novos descontos nas tarifas TUST/TUSD para quem migrar ao mercado livre.

– Hidrogênio: adia o início do Programa de Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC) de 2028 para 2030.

– Receitas com petróleo: prevê novo regramento sobre preços que usa referência de agências de informação e deve representar “importante ganho de arrecadação para a União”.