SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Uma ação policial realizada nesta terça-feira (28) deixou ao menos 64 pessoas mortas no Rio de Janeiro, na operação mais letal da história do estado. Segundo o governo Cláudio Castro (PL), as forças de segurança atuam nos complexos do Alemão e da Penha contra a expansão territorial do Comando Vermelho.
Até agora, a operação mais letal da história do Rio era o massacre do Jacarezinho, em maio de 2021, com 28 mortos, entre eles um policial. Três das quatro ações mais violentas da história fluminense foram realizadas sob Castro.
Do total de vítimas desta terça, ao menos 60 são apontadas pela polícia como suspeitas de serem criminosas. Além disso, dois policiais civis e dois policiais militares também morreram na ação. O número exato de mortos ainda está sendo contabilizado. Juntos, o Alemão e a Penha abrigam 26 comunidades.
A megaoperação policial tenta cumprir 69 mandados de prisão em 180 endereços. Até a tarde desta terça, 81 pessoas foram presas, e 72 fuzis foram apreendidos. Além dos mortos há seis baleadas, sendo três que não são considerados suspeitos pela polícia uma delas era uma mulher que estava dentro de uma academia.
Em resposta à operação, o Comando Vermelho ordenou o fechamento de ruas, e mais de 50 ônibus foram roubados. Com isso, diversas vias foram bloqueadas, e parte da cidade parou.
“Essa operação de hoje tem muito pouco a ver com segurança pública. É um estado de defesa. Não é mais só responsabilidade do estado, excede as nossas competências. Já era pra ter um trabalho de integração com as forças federais. O Rio está sozinho”, afirmou o governador.
De acordo com Castro, essa é a maior operação da história das forças de segurança do estado.
“Uma operação que teve início no cumprimento de mandados judiciais, mais de um ano de investigação, mais de 60 dias de planejamento. Uma operação do estado contra narcoterroristas quem faz o que eles fazem são narcoterroristas. Já temos relatos de tentarem fechar a avenida Brasil e outras vias para desviar a atenção. Há grande possibilidade de lideranças encurraladas, detidas ou neutralizados”, afirmou.
Segundo o governo do estado, criminosos usaram drones para lançar bombas contra as equipes policiais e a população, no Complexo da Penha, para atrasar o avanço das forças de segurança.
Em entrevista coletiva, Castro teceu críticas ao governo federal, a quem acusou de não se preocupar com a segurança pública.
Ele chamou de maldita a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, conhecida como ADPF das Favelas, movida pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) no STF (Supremo Tribunal Federal), e que questiona a política de segurança pública do estado, marcada pela alta letalidade policial em comunidades. Para o governador, a ação limita as operações nas favelas e foi responsável pela expansão do crime organizado.
Ainda de acordo com o governo, na ação foi preso um líder do Comando Vermelho, responsável pela guerra do Chapadão.
Diversas barricadas foram colocadas nas vias pelos criminosos para impedir a entrada das forças policiais.
“A operação visa combater a expansão territorial do Comando Vermelho e capturar lideranças criminosas do Rio de Janeiro e de outros estados”, diz nota divulgada pelo governo do estado.
Segundo a Delegacia de Repressão a Entorpecentes, a expansão do Comando Vermelho foi investigada durante um ano.
Segundo o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público do Rio de Janeiro, por estar localizado próximo a vias expressas e ser ponto estratégico para o escoamento de drogas e armamentos, o complexo de favelas se tornou uma das principais bases do projeto expansionista do Comando Vermelho, especialmente em comunidades da região de Jacarepaguá.
Ao todo, a Promotoria denunciou 67 pessoas pelo crime de associação para o tráfico, e três homens também foram denunciados por tortura.
Edgar Alves de Andrade, o Doca, apontado como a principal liderança do Comando Vermelho no Complexo da Penha e em outras comunidades da zona oeste, como Gardênia Azul, César Maia e Juramento, também foi denunciado. Um dos presos na ação dessa terça é o operador financeiro do Doca, segundo a operação.
Segundo a denúncia, também exercem liderança na associação criminosa Pedro Paulo Guedes, conhecido como Pedro Bala; Carlos Costa Neves, o Gadernal; e Washington Cesar Braga da Silva, o Grandão.
A reportagem não teve acesso as defesas deles.
De acordo com a Promotoria, eles dão ordens sobre o tráfico de drogas, determinam as escalas dos criminosos nas biqueiras e nos pontos de monitoramento, e ordenam os assassinatos daqueles que contrariam seus interesses.
Além deles, foram denunciados 15 homens que gerenciam o tráfico e são responsáveis pela contabilidade, abastecimento, entre outras funções. Os outros denunciados, segundo a ação penal, atuavam como “soldados”, realizando o monitoramento e a segurança armada. A denúncia foi recebida e os mandados foram expedidos pelo Juízo da 42ª Vara Criminal da Capital.
Victor Santos, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, afirmou, na manhã desta terça-feira (28), que não há como o estado enfrentar o crime organizado sozinho.
“Estamos falando de 9 milhões de metros quadrados de desordem urbana [nos complexos do Alemão e da Penha], com becos intransitáveis, casas irregulares e criminosos que dominam o território. É impossível enfrentar isso apenas com o efetivo do estado”, afirmou o secretário ao Bom Dia Rio, da TV Globo.
Por parte da Polícia Civil, participam da operação agentes da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), delegacias especializadas, distritais e o Departamento de Combate à Lavagem de Dinheiro e Subsecretaria de Inteligência. Da Polícia Militar participam o COE (Comando de Operações Especiais) e unidades da capital e da região metropolitana.
Drones, dois helicópteros, 32 veículos blindados terrestres e 12 veículos de demolição, além de ambulâncias, estão entre os equipamentos utilizados pelos policiais.
Moradores dos complexos do Alemão e da Penha relatam tiroteios e dificuldade para sair de casa desde o início da manhã.
Na Vila Cruzeiro, na Penha, policiais ocupam com blindados todos os acessos à favela. Moradores passam caminhando mesmo escutando tiros. Já motos são proibidas e, aos gritos, os agentes mandam retornar. Baús e mochilas são revistadas. Mototaxistas gritam xingamentos aos agentes ao se afastarem das barreiras policiais.
Um morador, com uma camisa que uma inscrição sobre a paz, passou caminhando devagar ao lado dos agentes, enquanto disparos de fuzil eram ouvidos a cerca de 300 metros.
Ele disse à Folha que passa rezando, que é só rezar que a paz chega. Segundo o homem, que não quis se identificar, ele mora desde que nasceu na Vila Cruzeiro, há 63 anos, e costuma rezar sempre.
Pela imprensa, alguns agentes foram informados da morte de dois agentes da corporação. “O Máscara (apelido de um dos agentes) estava no meio do mato. Vai ganhar bravura, merecido”, disse um, se lamentando.
Por volta de meio-dia, um grupo de 26 presos desceu com a Polícia Militar, entre eles, alguns menores.
Eles foram levados em um ônibus para a Cidade da Polícia.
Na porta do Núcleo de Acolhimento à Família do Hospital Estadual Getúlio Vargas duas famílias choravam. Uma era abraçada por policiais civis e agradecia aos pêsames. Eram parentes de um dos agentes mortos. A outra familia tentava autorização para visitar um dos baleados que estava sob custódia. Eles não quiseram dar entrevistas.
Até o momento, cinco unidades de saúde que atendem a região da Penha e do Complexo do Alemão suspenderam o início do funcionamento e avaliam se poderão abrir nas próximas horas. Uma clínica da família mantém o atendimento à população, porém, as atividades externas realizadas no território, como as visitas domiciliares, estão suspensas.




