BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Logo depois de comemorar a vitória nas eleições legislativas do último domingo (26), o presidente argentino Javier Milei já deu algumas pistas de como pretende aproveitar o novo fôlego que as urnas deram aos governistas no Congresso.
Com a configuração mais favorável no Parlamento a partir de dezembro, ele poderá finalmente avançar em três reformas que tentava fazer desde o início do mandato, há quase dois anos: uma trabalhista, seguida de uma tributária e, depois, uma do sistema previdenciário.
Em uma entrevista na TV, ao comentar o que poderia ser feito para mudar as regras laborais do país, Milei usou de exemplo um projeto de lei de reforma que está parado na Câmara desde o ano passado, de autoria de uma deputada libertária.
O projeto prevê o aumento da jornada de trabalho, de 8h para 12h, o pagamento de parte do salário em vale-refeição (o que a Justiça já impediu, em decisões anteriores) e o parcelamento de multas e indenizações em até 12 vezes. Nas vezes em que tentaram discutir as mudanças, os governistas não tiveram sucesso.
Milei chegou a selar uma trégua com os sindicalistas argentinos, sobretudo da CGT (Confederação Geral do Trabalho), no ano passado e retirou uma de mudança na arrecadação dos sindicatos, o que evitou grandes mobilizações contra o governo. Agora, diz que irá insistir na reforma.
“A maioria dos sindicatos sabe que o que temos hoje não funciona, acredito que vai ter uma melhora. Não estou falando do passado [de diretos adquiridos], estou imaginando o que virá adiante. Todos ganham, os informais que passam a ser formais, ganha a arrecadação para financiar maiores aposentadorias”, disse o presidente.
O mercado de trabalho na Argentina sentiu o baque do programa atual de ajuste econômico que, se por um lado, freou a inflação, também reduziu a atividade. A informalidade no país também cresceu no último ano.
Em setembro, o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos) apontou que os informais eram 43,2% da população ocupada; 37% deles não contribuiam de forma alguma para a previdência. O número de informais aumentou em 226 mil pessoas entre o segundo trimestre de 2024 e o de 2025 , para 5,75 milhões.
Uma semana antes das eleições, o secretário de Emprego, Julio Cordero, disse em uma apresentação na Comissão de Orçamento da Câmara que o governo pretendia implementar a negociação de acordos por empresa diretamente com o trabalhador. O secretário afirmou que o plano de Milei é implementar um sistema de salários dinâmicos que sejam definidos por mérito. “Um acordo por empresa permitiria uma situação diferente da que temos agora.”
“O trabalho informal cresceu para 43%. O objetivo de criar trabalho não é cumprido, e a maior liberdade que os empregadores privados tiveram com este governo foi para demitir mais pessoas”, disse a deputada peronista Vanesa Siley, ao rebater os argumentos do governo.
A discussão não é nova. Milei tentou fazer uma reforma trabalhista por decreto em seu primeiro ano de governo, por meio de um DNU (Decreto de Necessidade Urgência). A Justiça barrou o avanço das mudanças, argumentando que elas teriam que passar antes pelo Legislativo.
O governo, teve uma lua-de-mel no primeiro ano, conseguindo aprovar cortes de gastos e enxugar o Orçamento, mesmo tendo atualmente menos de um terço da Câmara.
Nos dias que precederam a campanha, o presidente reconheceu que a situação econômica era ruim, e que a atividade estava estagnada, mas atribuiu os números negativos a um boicote da oposição no Congresso, que derrubou seus vetos de aumentos de recursos para aposentados.
Na configuração atual da Câmara, o partido de Milei, A Liberdade Avança, detém menos de um terço (86 vagas) das cadeiras, o que o colocava em uma situação de fragilidade e permitia a derrubada de vetos do presidente.
A partir dos resultados do último domingo (26), os argentinos decidiram que a aliança governista com o PRO (do ex-presidente Mauricio Macri) terá 107 parlamentares, conquistando um terço e reduzindo a distância para alcançar a maioria necessária (129) para aprovar reformas.
O cenário ficou mais favorável, mas não garantido. Para ter maioria, Milei terá de adotar uma postura mais conciliatória para tentar atrair parlamentares independentes ligados a forças provinciais oferecendo, por exemplo, mais recursos para os governadores; ou diluir as reformas para convencer deputados radicais e outros grupos independentes, como o Províncias Unidas.
O representante da CGT, Gerardo Martínez, expressou sua oposição à reforma, chamando-a de ratificação do decreto que foi rejeitado pela Justiça. Ele enfatizou a rejeição da CGT a qualquer proposta de reforma trabalhista baseada nesse decreto.
Para evitar que novas reformas por DNU sejam barradas pela Justiça, em um evento em Tucumán chamado por ele de Pacto de Maio, Milei já havia anunciado que prepara para dezembro uma segunda versão da Lei de Bases, com as reformas previstas a primeira foi aprovada em 2024 e foi conhecida como “lei-ônibus”, por incluir normas de diferentes áreas.
Ao debater o Orçamento de 2026, o governo havia adiantado que a nova Lei de Bases vai propor “a inviolabilidade da propriedade privada; o superávit fiscal inegociável; a redução do gasto público para 25% do PIB [Produto Interno Bruto] e novas regras para a exploração de recursos naturais”.
Milei disse também, sem dar detalhes, que o governo trabalha em um projeto de eliminação de impostos. “Para a [reforma] tributária temos um plano de reduzir 20 impostos agora, ampliar a base tributária, para que, ao baixar as alíquotas, a evasão não faça sentido. Em outras palavras, que as pessoas não querem ser informais. Mas, primeiro, deve haver uma modernização trabalhista, o que não implica perda de direitos”, disse o presidente.




