FOLHAPRESS – Os irmãos Dardenne surgiram para o mundo cinematográfico ao ganhar a Palma de Ouro em Cannes por “Rosetta” em 1999. Não era um prêmio óbvio, e foi decisivo para essa vitória que a presidência do júri fosse exercida por David Cronenberg.

O fato é que “Rosetta” tornou-se um filme célebre, deu a Émilie Dequenne —morta em março deste ano, aos 43— o prêmio de melhor atriz do festival e abriu as portas para o cinema não raro fascinante de Luc e Jean-Pierre Dardenne.

É possível situar os diretores pela convicção com que têm mostrado um mundo marginal que emerge da tranquilidade aparente do mundo social belga. E diga-se desde logo, “Jovens Mães” não destoa nem de seu estilo realista, nem de seu obstinado destino de trazer à luz personagens que ilustram a miséria social e os seres explorados em uma sociedade de bem-estar.

Em “Jovens Mães”, o centro de tudo é uma instituição de acolhimento a mães adolescentes. Visto do Brasil, pode parecer um luxo: afinal, além dos cuidados que recebem, elas têm direito a uma subvenção governamental nada desprezível, embora não suficiente.

O filme se detém sobre cinco casos. Melhor destacar os que talvez sejam mais interessantes —Perla é a moça cuja esperança de vida repousa sobre sua aceitação pelo jovem namorado: estará ele disposto a encarar a vida com mulher e filho para criar? Perla é aquela em que a palavra esperança talvez faça mais sentido nessa trama. No entanto, ela é proporcional às decepções que terá de enfrentar dali por diante.

É possível que o caso mais dramático seja o de Ariane. Ela pretende entregar o filho a uma família, enquanto a mãe vê no neto a oportunidade de acertar as contas com o próprio passado. Ela quer entregar a Ariane um tipo de amor ao mesmo tempo imenso e doentio: o problema está lançado.

Existe ainda a questão médica propriamente dita, vivida por uma terceira garota, que perde o filho mesmo antes do nascimento.

Na verdade, de todos os casos abordados, o único a evocar o melhor dos Dardenne é mesmo o de Ariane. Ali pode-se reencontrar a secura de estilo e o realismo humanista dos diretors, como nos demais episódios. O que o particulariza, no entanto, é a pobreza (não miséria) que percorre o episódio e que parece determinar os excessos demenciais da mãe de Ariane.

A outra face desses excessos é a frieza glacial (mas de algum modo superficial) com que a própria Ariane mantém a determinação de não ficar com o filho.

Enfim, como não raras vezes nos longas dos Dardenne, trata-se de desnudar um mundo em que as vidas dos pobres são determinadas ora pela exploração, ora pela ignorância, ora mesmo pelo passado, seja ele familiar ou não.

Se não há como se opor ao desenvolvimento proposto pelo filme, há, ao mesmo tempo, uma sombra de decepção que se infiltra na obra. De certa forma, parece que estamos assistindo à reprise de um longa anterior de que sejam responsáveis os mesmos autores.

As questões se deslocam, mas nem tanto. Já em “Rosetta” havia uma jovem em situação absolutamente desfavorável, mas disposta a lutar para se sair bem. Em “O Garoto da Bicicleta”, um menino é abandonado pelo pai. “O Silêncio de Lorna” trata de uma garota albanesa que se casa com um viciado para conseguir a nacionalidade belga.

Enfim, não são as questões que importam tanto, mas os detalhes de cada uma. O celular de Lorna, a bicicleta do garoto abandonado etc.

O problema central não são certamente as jovens adolescentes. O problema é que desta vez os autores do filme parecem ter se entregado a uma espécie de burocracia do sofrimento. Cada um dos casos é pertinente. Mas quase sempre falta o empenho para descobrir o que torna cada um dos casos interessante.

Talvez a exceção seja o caso de Ariane, mas não pela escolha de doação que ela faz. O que torna seu caso tão particular é a mãe. E, mais especificamente, as feições da mãe, seu jeito de esbofetear a filha num momento para, no instante seguinte, acariciá-la, tentar agradá-la.

Esse desequilíbrio, que salta aos nossos olhos nas feições da personagem, até em seu porte, fazem lembrar o melhor dos Dardenne. Outros casos servem para destacar atrizes e a boa direção de atores do longa. O realismo intenso que os tornou cineastas relevantes está ali. O sentido humanista, idem.

No entanto, tudo soa um pouco vago, um tanto antigo, até mesmo deixa no espectador a suspeita de certa preguiça; a sensação de que já viu aquilo antes, e que agora não é desprezível, mas antes já foi melhor.

JOVENS MÃES

– Avaliação Regular

– Quando 28/10, às 21h20, no Espaço Petrobras de Cinema; 29/10, às 21h, no Cinesesc; 30/10, às 19h40, no Cultura Artística

– Classificação Não indicada

– Elenco Babette Verbeek, Elsa Houben e Janaina Halloy Fokan

– Produção França, 2025

– Direção Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne