SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Institucionalizar a avaliação de desempenho dos servidores públicos como critério para progressão na carreira e confirmação na estabilidade é um avanço, mas exige outras adaptações, segundo especialistas em administração pública ouvidos pela reportagem.

A proposta faz parte da reforma administrativa apresentada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) neste mês. De acordo com pesquisadores, é também importante incluir um programa de aperfeiçoamento profissional dos funcionários mal avaliados e dar transparência às notas, sem no entanto permitir a identificação dos avaliados.

Hoje não há uniformidade na avaliação de desempenho no Brasil. Cada órgão decide se vai fazer e como elas serão. Não há um critério comum para dar a nota.

Fernando Coelho, professor do gestão de políticas públicas da USP, diz que esse tema é um tabu na administração pública. “Todas as vezes que se fala de processos de avaliação no setor público aparecem pessoas que são contrárias de antemão ou que não acreditam no instrumento por considerar que não seria possível fazer um processo a contento”, diz ele.

Rudinei Marques, presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Tipicas do Estado), não concorda com a ideia de tabu. Segundo ele, a grande dificuldade é que as tarefas do serviço público são muito heterogêneas entre elas, e a ideia de criar uma regra que faça sentido para todos as diferentes obrigações profissionais da administração pública é pouco viável.

“É um assunto difícil para ser colocado em lei, porque o serviço público é complexo, e uma regra pode funcionar para [os servidores da área de] educação, mas não para a polícia ou para a arrecadação tributária”, afirma.

Marques diz que o que mais se aproxima de uma avaliação de desempenho hoje é o PGD (Programa de Gestão e Desempenho). Na prática, os servidores que trabalham remotamente devem aderir ao PGD, o que implica fazer um pacto combinando quais serão as tarefas que vão executar. “Ele vai ser avaliado por essas entregas, mas ainda assim tem áreas que isso não funciona”, diz Marques.

No texto da reforma administrativa justifica-se que é preciso criar uma regra sobre avaliação de servidores para romper com práticas de favorecimento pessoal e apadrinhamento político, que, segundo os autores, persistem na administração pública, especialmente nos entes federados.

A proposta é que a avaliação seja anual e aplicada a todos os servidores públicos.

O texto da reforma introduz também metas para cada instituição da administração pública, e os servidores serão cobrados pela sua contribuição para atingir essas metas.

Entre os critérios, além de cumprimento de metas pactuadas, há itens como comparecimento ao local de trabalho, presteza e iniciativa, qualidade do trabalho, produtividade e itens mais abstratos como “competências transversais” e “competências de liderança”.

O desempenho será considerado insatisfatório se o servidor não obtiver, no mínimo, 70% do total da nota ou conceito da avaliação periódica anual.

Os resultados seriam usados para decidir quem nomear para cargos em comissão ou funções de confiança, para permitir progressão e promoção na carreira e para pagamento de um bônus por resultado que a reforma também pretende instituir.

Coelho afirma que a ideia causa um certo temor entre os servidores e que pode haver uma tendência a todo mundo se avaliar bem –uma espécie de acordo entre chefias e subordinados que causa uma inflação de notas, o que é comum em outros países.

Ele diz também que o governo federal já estava em processo de criar regras e parâmetros para a avaliação de desempenho, mas que a ideia da reforma administrativa é ser 3 por 3 –ou seja, União, estados e municípios, nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A República.org, um think tank dedicado a pesquisar o funcionalismo público, publicou uma nota em que afirma que a proposta de avaliação dos servidores é “um passo positivo para fortalecer a cultura de desempenho no setor público”.

Para a entidade, a proposta de reforma administrativa acerta nos “planos de trabalho que ligam metas individuais às metas institucionais e ao planejamento estratégico de cada órgão” e “ao prever que o desempenho passe a influenciar progressões e promoções na carreira, substituindo critérios baseados apenas no tempo de serviço”

As críticas da República.org foram as de que usar o comparecimento ao local de trabalho como critério de desempenho é um erro e falta autoavaliação ou avaliação por pares, algo comum em países com “modelos mais modernos de gestão”.

Ela também defende em sua nota que uma política de desenvolvimento do servidor seja vinculada à avaliação de quem vai mal e a publicação dos resultados consolidados, principalmente para evitar viés de gênero e raça nas avaliações.