SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando foi lançado na virada do milênio, “Amores Brutos” parecia ser mais um filme autoral latino-americano feito por um diretor iniciante. Apesar do potencial, não era possível prever que o longa não só furaria a bolha do cinema europeu e americano, como também catapultaria o mexicano Alejandro González Iñárritu, seu criador, a Hollywood.

Foi o que aconteceu. Agora, 25 anos depois de seu lançamento, o filme que realocou o México no radar dos grandes festivais de cinema é reexibido nas salas brasileiras e entra no catálogo da Mubi.

“É um retrato de um país em transição nos anos 2000. Há algo histórico e também atemporal”, diz Iñárritu a jornalistas. “Amores Brutos” conta a história de três personagens que têm seus destinos entrelaçados por um acidente de carro na Cidade do México.

Octavio, vivido por Gael García Bernal, sente a ausência do pai e convive com seu irmão, casado e violento. Ele participa de brigas de cães com Cofi, seu cachorro, para ganhar dinheiro e fugir com a mulher, por quem é apaixonado. O jogo grotesco o envolve no acidente, que machuca Valeria, modelo forçada a ficar em casa com o namorado depois da batida do carro.

O confinamento deteriora o relacionamento dos dois. A terceira história é de El Chivo, um ex-guerrilheiro e matador de aluguel que acolhe Cofi, o cão de Octavio após o acidente, e cuida dele. Chivo tenta se reconciliar com a filha enquanto questiona o sentido de sua própria vida.

As três histórias refletem sobre as dores que podem ser provocadas pelo amor, e as dificuldades de viver esse sentimento em diferentes classes sociais. Mais do que isso, o filme levou para a telona, sem pudores, a violência urbana impulsionada pela desigualdade na Cidade do México.

“Amores Brutos” foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e venceu o prêmio da crítica em Cannes. O reconhecimento da crítica, somado à boa bilheteria, quebrou um período de crise para a indústria cinematográfica do México.

O método de Iñárritu de fragmentar uma história e repassá-la com alta carga emocional influenciou, mais tarde, outros cineastas latino-americanos —basta lembrar de “Relatos Selvagens”, do argentino Damián Szifron.

Ao lado de Guillermo del Toro e Alfonso Cuarón, Iñárritu completou a tríade de diretores mexicanos que injetaram fôlego em Hollywood com sua chegada ao polo industrial do cinema americano nos anos 2000. Cinco anos depois de “Amores Brutos”, Iñárritu já estava comandando Brad Pitt e Cate Blanchett em “Babel”.

Em 2014, “Birdman”, seu filme em que Michael Keaton vive um ator em decadência que tem uma relação mal resolvida com a filha, triunfou no Oscar levando quatro estatuetas, incluindo a de melhor filme. Um ano depois, foi pelas mãos de Iñárritu que Leonardo DiCaprio venceu seu primeiro Oscar de ator, por “O Regresso”.

Mas os tempos mudaram. “Não é o melhor momento para produzir filmes nos Estados Unidos”, diz Iñárritu. “Estão caminhando para o controle da linguagem, da exposição e da arte. Todos os artistas e instituições estão alerta.”

O mexicano se refere a investida constante do governo de Donald Trump para tentar controlar o setor cultural. No caso de Hollywood, o republicano já ameaçou a taxação de filmes produzidos fora do país, o que pressiona empresários do ramo cinematográfico a não o contrariar para não correr o risco de sofrerem prejuízos em negociações internacionais.

Além disso, Trump vem endurecendo leis de imigração para impedir a entrada de pessoas nos Estados Unidos. Para Iñárritu, o momento é delicado para o cinema e a televisão, setor também envolvido em um imbróglio definido pela imprensa americana como censura. “É um momento de transição importante, precisamos estar atentos e prontos para manter, com firmeza, o direito de expressão”, diz o diretor.

“O controle da linguagem é a primeira ferramenta para começar a transformar a realidade de uma forma brutal. Vocês já viveram isso em Brasil”, diz, referindo-se ao governo de Jair Bolsonaro.

“O filme de Walter Salles é justamente sobre o silêncio, sobre esses 21 anos de controle que vocês viveram aí”, afirma, sobre “Ainda Estou Aqui”, que deu ao Brasil sua primeira estatueta do Oscar em março com a história de Eunice Paiva, que precisou cuidar dos filhos após o sequestro e o assassinato de seu marido, Rubens Paiva, pela ditadura militar.

AMORES BRUTOS

– Quando Em cartaz nos cinemas

– Classificação 18 anos

– Elenco Gael García Bernal, Vanessa Bauche e Emilio Echevarría

– Produção México, 2000

– Direção Alejandro González Iñárritu