BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um relatório da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) aponta uma região do Brasil com a Colômbia como um dos principais corredores do narcotráfico mundial.
Na chamada Amazônia Compartilhada, facções criminosas como o CV (Comando Vermelho) e o PCC (Primeiro Comando da Capital) mantêm negócios com grupos colombianos tanto para levar as drogas para serem consumidas em outros locais do Brasil quanto para o escoamento da produção com destino à Europa e à África.
Os entorpecentes produzidos na Colômbia e também no Peru tendem a seguir a chamada rota do Solimões, um corredor fluvial que atravessa a região e conecta as fronteiras dos dois países. No lado brasileiro, o CV é a facção que domina o varejo de entorpecentes no Amazonas, Pará, Acre e Rondônia. Entre as substâncias citadas estão cloridrato de cocaína, pasta base e maconha.
Segundo o relatório obtido com exclusividade pela reportagem, o narcotráfico na região teve início na década de 1980, intensificando-se a partir da década de 2010 com o escalonamento na produção de folha de coca e de maconha tipo skunk.
O avanço do narcotráfico na América Latina tem alimentado uma escalada de tensão liderada pelos Estados Unidos, que pressionam países como Colômbia e Venezuela sob a justificativa de reforçar o combate ao tráfico internacional de drogas.
O estudo foi realizado pela Abin em parceria com a DNI (Direção Nacional de Inteligência) da Colômbia. O documento elenca que o narcotráfico, a mineração ilegal de ouro e o tráfico humano de migrantes como as principais ameaças para a segurança humana e ambiental da região. É o primeiro documento público conjunto entre serviços de inteligência sul-americanos sobre esses temas.
O relatório aponta também rotas que avançam pelos rios Javari, Içá e Japurá e que deságuam no rio Solimões, principal eixo de interiorização das cargas ilícitas rumo a Manaus.
A partir da capital amazonense, os entorpecentes seguem por outros rios em direção ao Pará, de onde são distribuídos para diferentes regiões do Brasil por vias fluviais, aéreas e terrestres, ou encaminhados até o litoral para escoamento para a Europa e a África. A Folha mostrou o aumento de tráfico de drogas e da criminalidade na região nos últimos 11 anos.
Um dos principais pontos de saída é o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA), próximo a capital Belém onde será sediada a COP30. O local é considerado estratégico pelo crime justamente por oferecer acesso direto ao oceano Atlântico e maior facilidade para driblar a fiscalização.
O estudo destaca, no entanto, que quando há maior fiscalização ao longo desse percurso as organizações abrem ramificações alternativas. Entre elas, o uso de rios que deságuam no rio Negro, além da combinação com outros modais logísticos.
Embora ainda menos utilizado que o fluvial, o transporte aéreo ganha relevância com a proliferação de pistas clandestinas na Amazônia, especialmente na Venezuela, que se tornou ponto estratégico para conectar a produção colombiana ao Brasil.
O estudo identificou ainda o uso de semissubmersíveis, os chamados narcossubmarinos, para transportar grandes cargas de drogas em travessias até a África e a Europa. Técnicos colombianos construíram essas embarcações artesanalmente na costa do Pará e do Amapá, e algumas foram interceptadas já no litoral africano ou europeu, com tripulações formadas por brasileiros, colombianos e europeus, evidenciando o caráter transnacional das operações.
O estudo aponta ainda que a Tríplice Fronteira entre Tabatinga (Brasil), Leticia (Colômbia) e Santa Rosa (Peru) é hoje o principal polo do narcotráfico na Amazônia Compartilhada, ponto de negociação das maiores cargas de drogas, ainda que nem todas passem pelos municípios da região.
A área também se tornou um epicentro de lavagem de dinheiro. Em Tabatinga, o esquema se concentra em lojas de roupas, departamentos, eletrodomésticos e hotéis; do lado colombiano, em cassinos, agências de turismo e casas de câmbio.
Os dados mostram que a cocaína colombiana abastece não só o mercado interno brasileiro, mas também usa o país como rota para a África e a Europa. Já a maconha skunk é voltada quase totalmente ao consumo brasileiro, com qualidade superior e maior valor agregado em relação à produzida na fronteira com o Paraguai.
O estudo aponta que as rotas que partem do Peru e da Colômbia em direção ao Brasil têm favorecido a atuação integrada entre facções brasileiras, grupos armados estrangeiros e redes transnacionais de narcotráfico.
Há cinco grupos que controlam a região da Amazônia do lado colombiano. O Estado Maior Central, por exemplo, estaria extorquindo compradores externos com cotas entre US$ 2,62 e US$ 5,23 por quilo de skunk.
Na fronteira brasileira, o Comando Vermelho é a facção predominante e mantém forte presença nos estados do Amazonas, Pará, Acre e Rondônia, o que lhe garante vantagem logística para interiorizar drogas da faixa fronteiriça e exportá-las para outros países.
A supremacia no Amazonas se manifesta principalmente no número de integrantes e no controle da maioria dos pontos de venda de drogas no varejo do estado. A facção também faz negócio com os grupos armados da Colômbia, não tendo aliança e nem rivalidade.
No entanto, ela não tem monopólio da rota de tráfico de entorpecentes, a qual também é explorada por outras organizações criminosas e traficantes independentes. No estado, ainda há presença do grupo criminoso PCC.
Diversas organizações criminosas brasileiras e traficantes independentes atuam na região da Amazônia, com o objetivo primordial de acesso a fornecedores de drogas colombianos e peruanos.
A previsão da Abin e DNI é de a tendência de intensificação do uso das rotas fluviais amazônicas entre Colômbia e Brasil, impulsionada pelo aumento recorde da produção de folha de coca na Venezuela e no Equador. Isso tem levado os grupos criminosos a redirecionar fluxos do Equador para o Brasil e a Venezuela.
As áreas de cultivo de coca nas regiões da Colômbia que fazem fronteira com Equador, Peru e Brasil somaram 122.044 hectares em 2023, o equivalente a 54% de toda a coca cultivada no país, segundo a UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes). O valor equivale a um crescimento de 126% em relação a 2020.




