BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Empresas da família de Daniel Vorcaro, dono do banco Master, interromperam o pagamento das prestações de um terreno de R$ 70 milhões entre Caraíva e Trancoso, no sul da Bahia, no momento em que a instituição financeira atravessa sua maior crise. A ideia seria desenvolver um empreendimento hoteleiro de luxo no local, com um aeroporto privado.
As empresas querem a escritura de cessão dos direitos do chamado aeródromo (área de pousos e decolagens, sem a estrutura de um aeroporto) para retomar os pagamentos, e os vendedores dizem que a documentação está em ordem e que se trata de uma tentativa de alterar o que foi acertado em contrato.
Membro mais proeminente da família, Vorcaro atravessa um momento de pressão. Ele busca alternativas para evitar uma intervenção por parte do Banco Central depois do veto à venda do Master para o BRB (Banco de Brasília) e, por isso, tem negociado empresas, participações societárias e imóveis.
O Master precisa de cerca de R$ 300 milhões em outubro para manter o fluxo de pagamentos de seus CDBs (Certificados de Depósito Bancário) e um pouco mais de R$ 1 bilhão nos meses de novembro e dezembro, segundo apurou a Folha de S.Paulo.
As empresas responsáveis pela compra na Bahia se chamam AFC Holding e M.Participações, que fazem parte de uma teia empresarial da família Vorcaro que inclui dezenas de companhias, sendo a principal delas a Multipar, da qual Henrique, pai de Daniel, é fundador e presidente, e Natalia, irmã, é diretora.
A Multipar é uma holding de investimentos em diversas áreas, especialmente administração e venda no ramo imobiliário, pela qual o próprio Daniel teve passagem no início de sua trajetória profissional.
Em 2023, as empresas acertaram a compra da área localizada no condomínio de alto padrão Outeiro das Brisas -um reduto de famosos no sul da Bahia. O contrato foi assinado por Henrique Vorcaro e pelo advogado Thiago Assumpção Henriques, administrador da AFC e de outras empresas da família. Os vendedores são o ex-casal Massimo Moretti e Sueli dos Santos Moretti.
As empresas pagaram R$ 14 milhões em agosto de 2024, recebendo em troca as escrituras do terreno. O restante dos R$ 70 milhões seria quitado em parcelas. Poucos dias antes do vencimento da segunda delas, no entanto, as empresas dos Vorcaro acionaram a Justiça e interromperam os pagamentos.
Como justificativa, o escritório de advocacia que representa os Vorcaro afirma que os vendedores não assinaram a escritura de cessão de 50% dos direitos sobre a área do aeródromo, na qual seria construído um aeroporto privado que, segundo eles, serviria como diferencial ao projeto, já que a área é de difícil acesso por outros meios de locomoção.
Eles destacam também que o próprio cartório responsável não aceitou a inclusão de cláusula a respeito do aeródromo devido à incapacidade dos vendedores de comprovarem a titularidade da matrícula referente à área.
Os advogados pedem à Justiça que os vendedores sejam condenados ao pagamento de indenização por perdas e danos, inclusive lucros cessantes -ou seja, valores que supostamente as empresas estariam deixando de receber devido à pendências.
Eles também defendem que o valor total do negócio seja recalculado caso os vendedores não apresentem a documentação exigida, e estimam o impacto com a retirada da área do aeródromo em R$ 15 milhões, e afirmam que as empresas estão aptas a realizar o pagamento das parcelas caso os vendedores apresentem a documentação faltante.
Os vendedores afirmam, em resposta apresentada à Justiça, que o contrato determina que tanto os vendedores como os compradores devem providenciar a lavratura da escritura, tratando-se, portanto, de “obrigação comum e bilateral”, e que o valor estimado em contrato para a cessão da área do aeródromo foi R$ 100 mil, sem impacto sobre a venda dos terrenos.
Eles se dizem surpresos com as contestações após cerca de dois anos de negociações e auditorias e apresentaram um documento chamado “instrumento de cessão de direitos sobre os 50% do aeródromo” -o que foi definido pelos compradores como uma tentativa atabalhoada de resolver as pendências que teria revelado, na verdade, impedimentos possivelmente intransponíveis para resolver o impasse.
A reportagem não teve retorno de Massimo Moretti (vendedor). Já sua ex-mulher não quis se manifestar a respeito da disputa. Daniel Vorcaro também não se manifestou após ter sido procurado por meio de sua assessoria de comunicação.
A apólice de seguros da transação foi contratada com a Pottencial Seguradora por meio da corretora Finlândia. As duas empresas pertencem em parte à família Géo, que tem negócios com Daniel Vorcaro.
O presidente da Pottencial é João Géo Neto. Seu tio, Argeu Géo, e seus primos, Rodrigo, Renato e Argeu Filho, são donos da Agéo Agropecuária, que adquiriu a mineradora Itaminas em sociedade com Vorcaro e o grupo AVG no ano passado.
A família Géo também foi protagonista de imbróglio no sistema financeiro nacional como controladora do Banco Neon, que foi alvo de liquidação extrajudicial promovida pelo Banco Central em 2018.
No processo referente ao terreno na Bahia, as empresas da família Vorcaro notificaram a seguradora Pottencial para que a apólice não fosse executada em favor de Moretti e Sueli e foram atendidas.
Os advogados da família Vorcaro afirmam que a Pottencial foi escolhida por ter sido “previamente e formalmente aprovada pelos vendedores” e por ser “líder de mercado em seguros dessa natureza”.
A Pottencial diz, em nota, que “o processo está em regulação e que a empresa está seguindo com a análise do sinistro da apólice do seguro garantia contratada”.
“É importante destacar que, para o término da análise desse sinistro, a seguradora precisa avaliar os detalhes de todo o contrato envolvido na apólice e se suas respectivas obrigações foram cumpridas”, acrescentou.
A Finlândia afirma, por sua vez, que “como parte da nossa responsabilidade de intermediação, recebemos o comunicado de sinistro da beneficiária da apólice e o mesmo foi direcionado à seguradora para as devidas tratativas”.
A região do sul da Bahia é objeto de interesse da família Vorcaro. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a compra de outro imóvel, uma casa de R$ 300 milhões em Trancoso, virou uma nova crise para o banqueiro.
Localizada a 25 km de onde está o condomínio Outeiro das Brisas, a mansão foi adquirida por empresas com as quais Daniel Vorcaro tem ligação, mas ele afirma não ter participado da compra. Um corretor diz ter apresentado a casa ao banqueiro, na qual ele ficou hospedado ao menos três vezes, e cobra dele R$ 18 milhões pela intermediação.
Reportagem da revista piauí, por sua vez, mostrou que o Banco Master concedeu um empréstimo de R$ 356 milhões após aceitar como garantia um terreno em Santa Cruz Cabrália, também no sul da Bahia, que foi avaliado em R$ 900 mil em junho de 2023 e por R$ 100 milhões pouco mais de um mês depois (ou seja, uma valorização de 11.000%).




