JOÃO GABRIEL E NICOLA PAMPLONA
SÓ PODE SER PUBLICADO COM ASSINATURA
BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS): A presidência é brasileira da COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), articula alternativas para destravar o debate sobre a transição para um mundo com menos petróleo, carvão e gás durante o evento.
Parte dessa estratégia, segundo três pessoas envolvidas nas negociações e ouvidas pela Folha sob anonimato, é criar o que se chama de mapa do caminho para efetivar o “transitioning away from fossil fuels” termo em inglês que costuma ser traduzido como afastamento dos combustíveis fósseis.
A ideia é fazer algo semelhante ao chamado “roadmap” voltado ao financiamento climático, tema que nos últimos anos foi o grande impasse do debate, diante da resistência dos países ricos em atender a demanda das nações pobres por maior comprometimento.
O documento está sendo finalizado pelo Azerbaijão, que sediou a última COP e pelo Brasil, como sede da próxima, e deve trazer uma rota para que o mundo chegue à cifra considerada adequada, de US$ 1,3 trilhão por ano.
O Brasil estuda algumas abordagens para adaptar essa estratégia para o caso dos combustíveis fósseis e avançar no tema em Belém. Uma delas é definir quais países têm mais condições de primeiro iniciar a transição para se afastar dessas fontes de energia.
Para isso, estuda critérios como responsabilidade histórica (ou seja, o quanto esse país contribuiu ao longo dos anos para agravar a crise climática); a capacidade econômica (se é uma nação de economia rica ou pequena); a dependência das fontes de energia não renováveis; a qualidade do petróleo, gás ou carvão produzido.
Por essa lógica, por exemplo, a Arábia Saudita ficaria quase no final desta fila. Não é um grande emissor e é altamente dependente dos fósseis. Na outra ponta, por exemplo, estariam os Estados Unidos: o maior emissor da história, maior economia, pouco dependente dos fósseis e que tem uma produção com alto grau de CO2. O Brasil ficaria no meio do caminho.
Proposta semelhante já foi entregue à presidência da COP30 pela indústria brasileira do petróleo. Um estudo elaborado pela consultoria Catavento define alguns critérios e separa os países em três grupos, de acordo com o nível de preparo para abandonar a produção de petróleo.
“Os países mais vulneráveis no ‘transitioning away’ são aqueles em que indústria de fósseis tem o maior peso. Então, essa transição passa necessariamente pela diversificação a economia”, diz uma das autoras do estudo, Clarissa Lins.
Há quem critique essa abordagem por permitir a sobrevivência da indústria petroleira por décadas. Mas há outras possibilidades, e o objetivo da presidência brasileira, dizem as fontes, é apostar na que tiver mais adesão.
Uma alternativa seriam critérios que priorizem o maior impacto climático. Há quem veja também a necessidade de uma abordagem mais focada no setor financeiro por trás dos fósseis.
Outros preferem ainda o foco nas empresas privadas, mirando setores e critérios com uma lógica de capital. Ou seja, por meio de mecanismos que penalizem o petróleo e tornem a energia renovável mais barata.
O “transitioning away” não é um dos temas de discussão obrigatória na COP30 o que não quer dizer que não possa ser debatido. Cada conferência tem uma agenda de tópicos pré-definida e as primeiras reuniões do evento são justamente para inserir, excluir e aprovar essa lista de assuntos.
Durante reunião preparatória que aconteceu em meados de outubro em Brasília, diplomatas sauditas ficaram extremamente irritados apenas por outros países (entre eles, o Brasil) terem feito discursos em defesa do fim dos fósseis.
O episódio mostra como o tema enfrenta resistência e ameaça ser um dos principais impasses da conferência. Por isso, a ideia da presidência brasileira é tratá-lo na chamada agenda de ação, que, na prática, são as discussões informais, que contam com a participação de empresas, da sociedade civil e do terceiro setor.
Assim como o “roadmap” do US$ 1,3 trilhão, este traçado para o fim dos fósseis não precisaria ser aprovado por todos os países que negociam formalmente na COP. A dificuldade, porém, é construir um documento que, mesmo sem mandato, tenha adesão.
Por isso, como mostrou a Folha, a presidência brasileira também aposta no que batizou de planos de aceleração de soluções.
Essa ideia parte de 30 objetivos que o mundo precisa alcançar para evitar o colapso climático. Dentro deles são identificados os principais obstáculos existentes para que eles sejam alcançados, bem como suas respectivas soluções.
A partir daí, são desenvolvidos a três mãos (ministérios, COP e setor privado) planos que devem apresentar um panorama justamente de como atingir determinada meta, qual o desafio, projetos que podem ajudar a superá-lo e indicadores de acompanhamento de quão distante o mundo está de conseguir, ou não, alcançar determinada finalidade.
Entre esses mais de cem documentos, existirá um justamente para o “transitioning away”.
“Esse tema levou 28 anos para entrar na agenda da COP. Então, dar um segundo passo apenas dois anos depois de Dubai [na COP28, em 2023, quando a transição para fora do petróleo foi citada pela primeira vez], já seria um avanço importante”, diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.







