SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um cidadão americano participava de um evento corporativo em São Paulo quando recebeu uma mensagem. Sua amiga Anna (nome fictício), 57, também americana e colega de trabalho, dizia ter sido estuprada por um funcionário do hotel em que eles estavam hospedados, uma unidade da rede Blue Tree localizada na avenida Paulista.
Por não falar português, o homem chamou uma colega brasileira da empresa, responsável pelo setor de recursos humanos, e juntos os dois seguiram para o hotel. Ao chegarem lá, Anna contou que havia sido violentada por um funcionário após pedir comida e vinho, já que não pretendia sair naquela noite 27 de setembro de 2024, uma sexta-feira.
A princípio, ela havia ligado do quarto. Como os funcionários não falavam inglês, ela foi até a recepção e se comunicou com o homem, agora réu na Justiça de São Paulo, por meio de um aplicativo de tradução.
Segundo Anna disse à polícia, o funcionário se ofereceu para levar a bebida até o quarto dela. Quando chegaram, prosseguiu, ele a abraçou e a beijou. Ela resistiu, ainda segundo o relato, e ele ficou agressivo, ignorando os gritos de “não”. O homem, então, estuprou Anna, de acordo com o inquérito, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso.
Imagens do circuito interno de câmeras do Blue Tree mostram que os dois entram no quarto e, minutos depois, o homem sai, segurando nas mãos o avental que usava antes, e caminha pelo corredor. Exames médicos comprovaram escoriações no corpo e a presença de sêmen na vagina e no ânus da americana.
A Folha de S.Paulo procurou o homem por meio de sua defesa. Seus advogados, Gabriel Constantino e Luís Vieira, dizem saber da inocência dele e afirmam que ele tem cumprido todas as determinações judiciais.
Pelo sigilo do processo, a defesa, a cargo do escritório Vieira Constantino Advogados, não comentou detalhes, mas afirmou que até 16 de outubro, já com a data da audiência de instrução marcada para janeiro do ano que vem, ainda não havia conseguido acesso a todos os vídeos citados no inquérito.
“A banca reafirma sua plena convicção na inocência do cliente, repudia qualquer especulação ou julgamento antecipado do caso e ressalta que o processo tramita sob segredo de Justiça, razão pela qual não serão prestados maiores esclarecimentos neste momento.”
Enquanto a colega ficou no quarto com Anna, o americano desceu até a recepção e pediu aos funcionários que chamassem a polícia. A equipe se recusou e disse que “não poderia” fazer isso, segundo o inquérito. A brasileira, então, ligou para o 190 e atuou como intérprete após a chegada dos policiais.
Segundo o depoimento do americano, a polícia ainda precisou ordenar que os funcionários parassem de tentar interferir na ocorrência.
Após prestar depoimento e fazer os exames médicos, Anna voltou, em 29 de setembro do ano passado, aos Estados Unidos. Afirmou, num segundo relato pedido pelos promotores do caso, ter ficado internada por 26 dias em uma clínica psiquiátrica. Ainda fazia neste ano um acompanhamento médico e psicológico.
No inquérito, o hotel nomeou advogados e disse colaborar com as investigações. Em nota enviada pela assessoria do Blue Tree, os escritórios Vicente Monteiro Advogados e Fabra Siqueira, Carceles & Boechat, que representam a empresa, afirmaram que a rede tem como prioridade o bem-estar e a segurança de hóspedes, colaboradores e parceiros.
“Está à disposição das autoridades e colabora integralmente com qualquer apuração ou investigação, reiterando o seu compromisso com a ética e respeito às leis.” Por causa do sigilo, a rede não comentou os apontamentos sobre o atendimento à vítima e a suposta recusa dos funcionários em chamar a polícia.
A Folha de S.Paulo apurou que as advogadas Maria Tereza Grassi Novaes, do Grassi Novaes Advogados, que representa Anna na ação penal, e Roberta Novaes Marcondes, do Araújo e Policastro Advogados, pretendem pedir uma indenização, no cível, no valor de US$ 150 mil (R$ 807 mil).
Metade do valor corresponderia a danos materiais, pelos custos com internação, medicamentos e exames, e a outra, a danos morais.
Até o momento, a busca por reparação ocorreu extrajudicialmente, em reuniões com representantes do hotel. A negociação estaria demorando porque o hotel supostamente aguarda trâmites para o pagamento de um seguro. Também citando o sigilo do processo, o Blue Tree não comentou as críticas.
Na noite de 27 de setembro, enquanto o amigo de Anna estava a caminho do hotel, ela mandou uma mensagem para ele. “O hotel me deixou aqui sozinha. Não consigo acreditar nisso. Eu só queria ir para casa”, escreveu ela, segundo o inquérito.