SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pessoas que foram intoxicadas por metanol não precisam provar na Justiça a responsabilidade de bares, distribuidoras e produtoras das bebidas alcoólicas contaminadas, afirmam especialistas em direito civil ouvidos pela Folha de S.Paulo.

Uma vez atestado o dano físico ou material causado pela ingestão da substância, toda a cadeia comercial responsável pela produção e distribuição da bebida pode ser alvo de ação indenizatória, aquela que busca compensações por prejuízos causados por alguém ou alguma empresa.

“A lei estabelece que produtos colocados no mercado não podem oferecer risco. Não precisa comprovar o nexo de causalidade entre o produto e o dano causado, porque, diante do consumidor, a responsabilidade é objetiva”, diz Isabela Marina Chiapetti Casagrande, advogada do escritório Suttile&Vaciski, especializado na área civil, que abrange o direito do consumidor.

Segundo Casagrande, as pessoas afetadas podem pleitear indenização por danos materiais, morais e até estéticos, cobrando inclusive o ressarcimento de despesas médicas, como os gastos com remédios e o pagamento do plano de saúde. Também podem ser cobrados valores que a pessoa deixou de receber no período de adoecimento. É o que ocorre no caso de um autônomo ausente de seu trabalho, enquanto se recupera da intoxicação.

No caso de um processo, diz a advogada, é comum que as empresas tentem demonstrar conduta idônea, mostrando, por exemplo, as notas fiscais referentes às compras das bebidas. Contudo, conta Casagrande, os tribunais têm decidido pela vulnerabilidade do consumidor, em casos similares ao do metanol.

Já quem adulterou as bebidas, diz ela, pode ser responsabilizado na esfera criminal. O artigo 272 do Código Penal prevê reclusão de quatro a oito anos e multa para adulteração de produto. Nos casos de morte, é possível que os acusados respondam por homicídio.

Na segunda-feira (20), o Ministério da Saúde informou que os casos de intoxicação por metanol após consumo de bebida alcoólica agora somam 47. Outros 57 casos ainda estão em investigação —e 578 notificações já foram descartadas.

O estado de São Paulo continua com o maior número de notificações, com 38 casos confirmados e 19 em investigação. O estado já descartou 408 ocorrências. O total de mortes chegou a nove, sendo seis confirmadas em São Paulo, duas em Pernambuco e uma no Paraná.

Também da área civil, o advogado Daniel Sanfins, do escritório Duarte Garcia, confirma a interpretação de não haver necessidade de provar que a bebida consumida em determinado estabelecimento provocou a intoxicação.

“Não precisa provar e é até difícil de provar. O estabelecimento assume o risco ao servir aquele produto independentemente de culpa. Se você tomou a bebida, o bar é responsável, assim como a distribuidora e o fabricante. Todo mundo é responsável”, afirma Sanfins.

O Brasil já recebeu um lote com 2.500 ampolas de fomepizol, um antídoto para o tratamento de intoxicações por metanol. O medicamento, que não estava disponível no país, foi adquirido pelo Ministério da Saúde em meio ao aumento de casos e mortes.

O Ministério da Saúde também afirma que o SUS está abastecido de etanol farmacêutico, produto que vem sendo utilizado nos tratamentos de intoxicação. A substância bloqueia o caminho pelo qual o metanol se transforma em ácido fórmico, mas provoca embriaguez como efeito colateral. O fomepizol faz o mesmo, mas com menor risco de efeitos adversos.

Os órgãos de saúde recomendam evitar o consumo de bebida destilada que não saiba a procedência. O paciente com quadro incomum após ingestão de bebida alcoólica deve procurar atendimento médico imediato, realizar exames laboratoriais e avaliação oftalmológica.

Os sintomas de intoxicação de metanol podem estar associados a dores abdominais intensas, tontura e confusão mental. O socorro em até seis horas após o início dos sintomas é fundamental para evitar o agravamento.