SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A 3ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) considerou ilícitas e derrubou as cláusulas de exclusividade da 99Food com restaurantes, em ação judicial movida pela Keeta, empresa de delivery controlada pela chinesa Meituan.

O aplicativo deverá iniciar suas operações ainda neste mês no Brasil e promete investimentos de R$ 5,6 bilhões.

A 99 irá recorrer da decisão. Em nota, afirma querer colaborar para um debate que consolide as práticas de desenvolvimento de mercado no Brasil. Diz também que os acordos de exclusividade parcial eram uma das opções aos restaurantes selecionados, para que escolhessem o que se encaixa melhor ao modelo de cada um, e como forma de “viabilizar a sustentabilidade dos investimentos necessários para ingressar e romper com a inércia de um setor há muito dominado por um único incumbente”.

“Temos plena confiança na legalidade das nossas práticas e, sobretudo, em seus efeitos concretos: ampliar o mercado de delivery de comida, gerar demanda e rentabilidade para restaurantes, expandir oportunidades de ganho para entregadores e oferecer conveniência com preços justos para os consumidores”, diz.

Na ação, afirmou que as cláusulas contratuais são lícitas e “instrumentos necessários para a competição”.

O processo faz parte de mais um capítulo da “guerra dos apps”, que tem na disputa iFood, Rappi, 99Food e Keeta. A 99Food voltou a operar o serviço de delivery no país em agosto deste ano, após tentativa em 2020. A empresa projeta investimentos de R$ 2 bilhões até junho de 2026.

As entregas começaram em Goiânia (GO) e, depois, em São Paulo (SP). Na última semana, tiveram início as operações em oito cidades do Rio de Janeiro, incluindo a capital, com promoções para entregadores, restaurantes e novos consumidores.

Na ação, a Keeta alega estar sofrendo uma “barreira ilícita para ingresso no mercado de delivery de refeições, imposta pela 99Food, com o objetivo de evitar a livre concorrência”, diz o juiz da sentença Fábio Henrique Prado de Toledo.

A empresa afirmou, ao ingressar na Justiça, que a 99Food abordou mais de cem redes de restaurantes no Brasil, oferecendo pelo menos R$ 900 milhões em pagamentos antecipados se assinassem contratos de exclusividade. Esse valor é quase equivalente ao R$ 1 bilhão que a DiDi anunciou para reiniciar as operações no Brasil, diz a empresa.

Segundo o app, a concorrente estaria inserindo uma “cláusula de banimento” em contratos firmados com restaurantes “estratégicos”, chamados de âncoras, que são maiores e fazem diferença para o negócio.

Para o juiz, a conduta “é ilícita por violar os princípios constitucionais e legais da concorrência”. “Ao direcionar cláusulas restritivas especificamente contra a autora, a ré viola direito subjetivo desta, qual seja, o direito de competir em condições isonômicas no mercado”, afirma.

O magistrado diz ainda que o direito de livre concorrência não existe apenas quando a empresa já opera no mercado, mas protege também quando quer ingressar para que possa competir em igualdade de condições.

“A empresa que se prepara para iniciar operações, realizando investimentos e estabelecendo estrutura, possui legítimo interesse jurídico em não ser alvo de práticas discriminatórias que lhe criem barreiras artificiais de entrada.”

Além de declarar as cláusulas de exclusividade como nulas, o juiz concedeu a tutela de urgência para que as medidas deixem de valer imediatamente. Também determinou que a 99Food deixa de inserir exclusividade em contratos futuros, sob pena de R$ 100 mi por contrato.

O magistrado negou, no entanto, o pedido de indenização e disse que os restaurante não precisam devolver os valores que receberam da 99, mas que o app pode deixar de fazer os pagamentos futuros a eles.

“Essas cláusulas não têm outro objetivo senão restringir a concorrência e prejudicar o interesse público”, afirma a Keeta no processo.

“Essas cláusulas não estão em conformidade com a lei e as regras de concorrência, como a 99Food alega. São abusivas e anticoncorrenciais, e tentam fechar o mercado para apenas dois concorrentes, limitando a escolha do consumidor e minando os princípios de um mercado livre e justo.”

A empresa se comprometeu a investir R$ 5,6 bilhões no Brasil em encontro entre Brasil e China neste ano. As operações devem ter início no final deste mês, em cidades do litoral paulista, em período de testes. Até o final do ano, a intenção é expandir as operações.

No caso das 99Food, a expansão para o negócio de delivery faz parte das estratégias da chinesa DiDi no Brasil. A empresa planeja investir R$ 350 milhões para voltar ao mercado de delivery, de um total de R$ 2 bilhões até junho de 2026, conforme anúncio feito após encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Já o iFood anunciou, em agosto, investimentos de R$ 17 bilhões nas operações no Brasil até março de 2026 e ampliação no número de pedidos para 1 bilhão por ano dentro dos próximos três anos, mas ainda não conseguiu resolver um dos principais problemas que os aplicativos enfrentam no Brasil e no mundo, que é a regulamentação dos entregadores.

O Rappi passou a oferecer taxa zero para restaurantes em maio. A empresa vai investir R$ 1,4 bilhão na tentativa de trazer para o aplicativo pequenos e médios negócios.

BRIGA NO CADE

Cláusulas abusivas no delivery têm sido motivo de intervenção no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Em processo protocolado em setembro, a Abrasel (Associação de Bares e Restaurantes) afirma que o iFood usaria sua posição dominante no mercado de delivery para consolidar um “ecossistema digital fechado” e não apenas um serviço de entrega.

O iFood também sofreu processo aberto pelo Rappi no Cade que resultou, em 2023, da assinatura de um TCC (Termo de Compromisso de Cessação). Na época, a investigação concluiu haver indícios de que o app estaria abusando de sua posição dominante fazendo contratos de exclusividade com os restaurantes.