SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O que era para ser mais uma manhã qualquer em Paris deu lugar a uma cena de filme no último domingo, dia 19. Homens usaram um guindaste para invadir a galeria Galerie d’Apollon no Louvre, maior museu do mundo, e roubar oito joias da coroa francesa avaliadas em R$ 550 milhões. Um especialista ouvido pela reportagem diz que as peças têm pouca chance de serem recuperadas.

DESMANCHE

“As pedras preciosas costumam ser retalhadas e ouro fundido, para não serem identificadas”, diz Leandro Varison, antropólogo e diretor de ensino e pesquisa do Museu do Quai Branly, com acervo dedicado à África, às Américas e à Oceania, localizado em Paris. “No momento que você funde ouro, prata e retalha diamantes, é impossível localizar essas peças em seguida.”

Joias também são mais fáceis de serem transportadas para fora do país, ao contrário de quadros ou esculturas, que não podem ser desmanchados e ter cada parte vendida para uma pessoa. Uma coroa, por outro lado, pode ser modificada e ter peças vendidas como acontece no roubo de um carro, por exemplo.

A prática, segundo ele, esvazia o valor histórico das peças, muitas vezes valiosas não tanto pelo material, mas pelo contexto que carregam. O especialista cita como exemplo pepitas de ouro roubadas em setembro do Museu de História Natural, também na capital francesa, preciosas por terem sido as primeiras encontradas na Guiana.

Quadros e esculturas podem passar de mão em mão por anos sem deixar vestígio, mas têm mais chance de serem encontrados intactas. O Museu Quai Branly, por exemplo, conseguiu recuperar em maio passado duas telas a óleo raríssimas do artista Jean-Baptiste Debret pintadas no Brasil.

Os quadros foram expostos no Louvre durante o século 19, em meados de 1930 foram para o Museu do Homem, em Paris, até serem roubados durante a Segunda Guerra. Duas obras da mesma série continuam desaparecidas.

“Em setembro identificamos dois quadros, postos a venda por uma grande casa de leilões na França que não percebeu que as obras eram roubadas, apesar de estarem em base de dados de arte roubada e de os quadros terem no verso antigas etiquetas de museus”, conta Varison. As obras são “Coroados – Le Signal du Combat” e “Coroados – Le Signal de la Retraite”, com valor estimado entre EUR 60 mil e EUR 120 mil, algo em torno de R$ 375 mil e R$750 mil.

“Existe um mercado de peças roubadas. Tem gente que compra sabendo que é roubado. A Interpol às vezes consegue captar a desmembrar essas redes, mas é difícil”, diz o especialista. Ele se refere à seção da Interpol, organização que investiga crimes internacionais, dedicada a desmantelar o profícuo mercado clandestino alimentado por saques a museus e coleções de arte.

Até a publicação dessa reportagem, apenas uma peça das oito roubadas no Louvre neste domingo foi recuperada -uma coroa de diamantes que pertenceu a imperatriz Eugênia, mulher de Napoleão 3º, composta por 1.354 diamantes e 56 esmeraldas, segundo a imprensa francesa.

AS BIBLIOTECAS DE ARTE ROUBADA

Existe também uma base de dados privada que rastreia itens roubados, o Art Loss Register. São listas diferentes. A da Interpol, que atualmente conta com 57 mil itens, é mais rígida e só cadastra objetos de arte roubados e desaparecidos reportados pelas agências policiais de seus respectivos países ou por entidades parceiras, como a Unesco. O Art Loss Register, por outro lado, contabiliza também denúncias feitas pelas vítimas diretas dos saques, como colecionadores ou museus.

Hoje, o Art Loss Register, localizado em Londres, é a maior base de dados do mundo para obras de arte, antiguidades e itens colecionáveis perdidos e roubados, reunindo 700 mil peças. Lá constam, por exemplo, santos centenários roubados de igrejas brasileiras, como uma Nossa Senhora do Rosário saqueada em 1953 da capela de mesmo nome em Japaraíba, no interior de Minas Gerais.

Em 2021, uma pesquisa no site ajudou a recuperar um broche anglo-saxão de bronze que havia sido roubado em 1995 de um museu municipal no norte da Inglaterra. Em maio, a Interpol prendeu 80 pessoas e apreendeu mais de 37 mil itens, incluindo peças arqueológicas, obras de arte, moedas e instrumentos musicais. Entre eles estavam 300 artefatos romanos encontrados em um apartamento na Itália, que estavam sendo vendidos pela internet.